amália rodrigues - Universidade Aberta

AMÁLIA RODRIGUES: COM QUE VOZ CHO(RA)REI MEU TRISTE FADO!
- A POESIA NO UNIVERSO FADISTA DE AMÁLIA -
mágoa, e, como tantas vezes Amália dizia, de ter sido sujeito passivo
da sua vida ou, como costumava confessar, a vida vivera-a a ela:
“ Eu não vivi a vida. A vida viveu-me. Nunca exigi nada. Sou tudo aquilo que
o fado quer. Não sou eu que canto o fado, é o fado que canta em mim. O fado
come-me. Amor, ciúme são cantigas, embora próximas do fado. A saudade
também não é fado. Tem-se sempre a esperança de poder ter a pessoa outra
vez. A saudade só chega a ser trágica quando morre. Solidão é fado com
certeza”. 151
O poema mostra-nos a dualidade de Amália, dividida entre a ausência
do amor e a presença de uma relação amorosa não gratificante:
“ Perdida estou sem remédio/Meu pecado e meu castigo/Pecado é morrer
de tédio/Castigo é viver contigo ” 152 .
Finalmente, “Depois disto…desisto”. Neste poema, cuja análise
deixámos propositadamente para o fim, podemos constatar como o
sujeito poético, numa tentativa de exorcizar o seu enorme terror com
a morte, realidade que nunca aceitou, absurdo da vida mesmo para uma
mulher de convicções profundamente religiosas, utiliza, na última
sextilha, um tom de humor negro, brincando, deste modo, com uma
realidade a que sabe, mais tarde ou mais cedo, não poderá escapar.
Fazer humor ou, como neste caso, auto-ironia, é a melhor forma de
dessolenizar uma realidade incómoda:
151
In, Diário de Notícias, Lisboa, 1999, p. 11.
152
RODRIGUES, Amália, VERSOS, Lisboa, Edição Cotovia, 1997, poema ‘Ai de mim
que me perdi’, p. 87.
142