amália rodrigues - Universidade Aberta

AMÁLIA RODRIGUES: COM QUE VOZ CHO(RA)REI MEU TRISTE FADO!
- A POESIA NO UNIVERSO FADISTA DE AMÁLIA -
sobretudo, o apagamento da negridão do quotidiano, que parte de uma
sensibilidade à flor da pele cingida aos ditames de um destino amargo.
Amália escreveu versos que encontraram ecos na balada, no rimance,
na prosódia dita popular, mas que, por vezes, se evadem para uma
melancolia e uma atracção pela morte que recordam fatalmente
Florbela Espanca: “ Vem morte que tanto tardas/Ai como dói/ A solidão
quase loucura” 156 .
Ainda que imperasse o gosto pela redondilha ou pela tentativa do
soneto, a musicalidade encontra-se com um choro reprimido na sua
construção cantabile. Amália sempre gostou de fazer versos; escrevia
“coisas que sentia”, coisas tristes quase sempre, mas reconhecia não
ser poeta. Na sua escrita há lugar para o satírico e para uma técnica
repetitiva: “Ai minha infância dorida/Ai o meu bem que não foi/Ai minha vida
perdida/Ai lucidez que me dói”, que dá lugar à expressividade ou à
redundância. A sua poesia é sobretudo a do amor numa toada por vezes
próxima da ladainha, da força dos sentidos, da exclamação religiosa, da
dor, da saudade, do desamparo. Há espaço para brincadeiras como
“335 Gafanhotos” e lugar para versos que permanecem “teimosamente
sangrando”. Como ela.
Se ouvir Amália é/era amá-la, lê-la é ter o privilégio de a conhecer
enquanto verdadeiro ser humano , enquanto Mulher, com a dor, a
incompreensão e a solidão acompanhada de todos os grandes mitos.
156 Idem.
144