editorial protagonistas de um passado histórico recente: lutas
editorial protagonistas de um passado histórico recente: lutas
editorial protagonistas de um passado histórico recente: lutas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
muito. Não havia doc<strong>um</strong>entos que registrassem a entrada dos presos. Lá,<br />
Carlos Lacerda, governador do Rio, e Gustavo Boré, secretário <strong>de</strong><br />
segurança, testavam alguns métodos <strong>de</strong> tortura e <strong>de</strong> aniquilamento. “Se<br />
não fosse meu tio eu tava lascado, ele chegou lá gritando, ameaçando<br />
quem tocasse em mim”. À noite escutava os gritos e fuzilamentos e via os<br />
mortos sendo levados. “Só aquilo <strong>de</strong>sestabiliza qualquer <strong>um</strong>”.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Campos, o Golpe foi <strong>um</strong>a surpresa para Delzuite,<br />
em Recife. Sem ler jornais ou escutar o rádio, estranhou o fato <strong>de</strong> a se<strong>de</strong><br />
das Ligas Camponesas estar vazia, no que seria <strong>um</strong> dia normal. Seria se<br />
não fosse primeiro <strong>de</strong> abril. Não era mentira: Freire telefona: “Tá<br />
acontecendo <strong>um</strong> golpe <strong>de</strong> estado! Se nós não sairmos daqui agora vamos<br />
ser presos e quem sabe torturados e mortos. Vamos pra Vitória <strong>de</strong> Santo<br />
Antão nos reorganizar pra resistir. À noite vamos receber armas”. Delzuite<br />
ainda teve tempo <strong>de</strong> passar em casa e apanhar alg<strong>um</strong>as roupas. Sua mãe<br />
não entendia nada, e perguntava se o que ia fazer era “perigoso”. O perigo<br />
se apresentava <strong>de</strong> diversas formas para <strong>um</strong>a moça, que <strong>de</strong>veria se manter<br />
virgem e ainda cuidar dos camponeses, mas a mãe confiou na filha.<br />
Chegando a Vitória, Delzuite e seus companheiros encontraram<br />
camponeses, no Engenho Queimados, que escutavam pelo rádio a<br />
resistência do governador Miguel Arraes em <strong>de</strong>ixar o cargo.<br />
“‘Companheiros, viemos aqui pra resistir a esse golpe. Vamos reagir se unir<br />
aos companheiros <strong>de</strong> Vitória. Viemos aqui justamente pra levar vocês’.<br />
Quando dissemos isso, foram saindo <strong>um</strong> por <strong>um</strong>. Só restaram <strong>um</strong>as seis<br />
pessoas”. A resistência mencionada por Delzuite tinha sido toda presa. O<br />
grupo restante, on<strong>de</strong> estavam ela e Freire, escon<strong>de</strong>u-se nas matas, isolados<br />
e sem assistência. “O único contato eram os camponeses, que se danaram<br />
a beber cachaça. Ficou perigoso porque eles bebiam e falavam muita<br />
besteira. Teve <strong>um</strong> que falou: ‘eu tô escon<strong>de</strong>ndo na minha casa uns<br />
comunistas, e eu vou mandar eles embora, porque qualquer hora a polícia<br />
po<strong>de</strong> pegar eu também’”. Quarenta e quatro anos mais tar<strong>de</strong> ela constataria<br />
que a luta era “muito imatura”, e que o trabalho <strong>de</strong> conscientização dos<br />
camponeses não estava consolidado a ponto <strong>de</strong> formar <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro<br />
movimento.<br />
Quatro dias <strong>de</strong>pois Delzuite <strong>de</strong>cidiu voltar a Jaboatão, on<strong>de</strong><br />
morava, e conseguiu <strong>um</strong>a carona na estrada. N<strong>um</strong> jipe com militares. “Na<br />
101