editorial protagonistas de um passado histórico recente: lutas
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torturado, é <strong>um</strong>a tortura psicológica. Lá na cela tinha o livro, Cem anos <strong>de</strong><br />
solidão. Tentei ler, mas não entendia nada. Não conseguia me concentrar.<br />
Lia 20, 30 páginas sem enten<strong>de</strong>r nada. Muito tempo <strong>de</strong>pois eu consegui [e<br />
concluiu] ‘pô, é tão fácil! Como é que eu não entendia nada!?’”.<br />
“Aí enfim, chegou o momento <strong>de</strong> me pendurarem no pau-<strong>de</strong>-arara”.<br />
Esse método foi bastante utilizado durante a Ditadura. Consiste n<strong>um</strong>a barra<br />
<strong>de</strong> ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho,<br />
sendo o “conjunto” colocado entre duas superfícies, ficando, o corpo da<br />
vítima que está nua, pendurado. “Só <strong>de</strong> você ficar pendurado com <strong>um</strong> cano<br />
no joelho já é <strong>um</strong>a dor enorme. Imagina... Aí vinham os interrogatórios, e<br />
eu contava sempre a mesma história. Pegaram <strong>um</strong> aquecedor pra queimar<br />
a bunda. Passavam sal grosso em cima e metiam paulada com <strong>um</strong> sarrafo.<br />
O sal grosso entrando na carne queimada... Imagina... Você não tem<br />
controle. A gente berra. Aí eles botavam <strong>um</strong> fio em cada orelha, <strong>um</strong>a<br />
maquininha pra dar choque, <strong>de</strong> baixa voltagem, pra não ter risco <strong>de</strong> matar.<br />
Dava <strong>um</strong> choque muito forte. Cruzava faísca azul. Botavam <strong>um</strong> fio em cada<br />
orelha e, enquanto <strong>um</strong> batia, o outro dava choque. O choque muito forte<br />
enrolava a língua. Aquela dor enorme, sem conseguir gritar, e sufocado.<br />
Não tem como dizer a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dor, angústia, <strong>de</strong>sespero”.<br />
Um grupo <strong>de</strong> três policiais aplicava a tortura. Momesso nunca<br />
soube quem eram, e incrivelmente superou. “Mas não fiquei com ódio.<br />
Fiquei com nojo. O que essas pessoas têm mais <strong>de</strong> h<strong>um</strong>ano? São uns<br />
vermes”. Depois <strong>de</strong> todo o sofrimento, se as confissões não vinham por<br />
meio da violência, os torturadores apelavam para <strong>um</strong> método mais sutil.<br />
“Consegui botar a roupa por cima da carne, me levantei. Os pés inchados,<br />
todo sem pele, tudo roxo. Me levaram pra <strong>um</strong>a sala. Tinham uns <strong>de</strong>z<br />
torturadores fazendo <strong>de</strong> conta que me esqueciam lá. Falavam ‘esse bispo é<br />
<strong>um</strong> viado! Chico Buarque <strong>de</strong>u pra não sei quem! ’. Essas coisas pra você<br />
ficar puto da vida. ‘Marighella usando esses trouxas! ’. Tudo que tava no<br />
campo da esquerda eles esculhambavam. Eu fiquei impressionado porque<br />
tudo era muito bem montado. Percebi logo no início que era pra envolver.<br />
Se você <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse alguém, entrava em diálogo com eles, aí tava ferrado.<br />
Eu tinha muito cuidado, falava muito pouco, só falava quando tinha<br />
segurança do que ia falar. Quando entendi o que tava acontecendo, botei a<br />
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