“De quem é a responsabilidade do cuidado?” O papel das mulheres no processo dedesinstitucionalização da pessoa em sofrimento psíquico.construção de uma rede substitutiva que assegureassistência integral e de qualidade;• Organização e produção da rede e dos serviçossubstitutivos: a implementação de uma rede de serviçosde saúde mental substitutiva ao hospital psiquiátrico,capaz de oferecer atenção integral aos usuários de saúdemental e a seus familiares, em todas as suas necessidades,nas 24 h, durante os 7 dias da semana, fortalecendo adiversidade de ações e a desinstitucionalização;• Serviços Residenciais Terapêuticos: o desenvolvimentode programas de desinstitucionalização das pessoashá longo tempo internadas, que visem os processos deautonomia, de construção dos direitos de cidadania e denovas possibilidades de vida para todos, e que garantamo acesso, o acolhimento, a responsabilização e a produçãode novas formas de cuidado do sofrimento.Diante do novo paradigma e das diretrizes tomadas,os cuidados ofertados aos usuários de saúde mental e à suafamília assumem crescente relevância na agenda de debates.São propostas transformações na estrutura de cuidados oferecidospelo Estado e nada se questiona acerca da organizaçãofamiliar e dos familiares/cuidadores. Cabe destacar que a redede serviços substitutivos, em alguns municípios, deixa muito adesejar, já que não tem oferecido a quantidade de serviços suficientespara atender à demanda de usuários do local. Com isso,fortifica-se uma opressão aos familiares/cuidadores que, em suamaior parte, são pobres. Sua pobreza se agrava, pois muitos cuidadoresacabam sendo impedidos de trabalhar, ou negligenciamo cuidado para poderem ter o que comer.Nesse contexto, ganha relevo uma nova forma de opressãodas mulheres, já que cabe a elas a função de maternar, ou seja, decuidar dos membros que carecem de proteção. Trata-se de acionar a“vocação” feminina (Badinter, 1985:222), aquela em que ela, “maisuma vez, nesse papel, se afirma como a ‘rainha do lar’”, glorificaçãorecebida por ser responsável pela casa. Essa vocação e essa função,segundo Badinter (1985), são um lugar construído socialmente; nele,a maternidade atualiza seu papel gratificante e, sob a condição decuidadora, agora ganha significados impregnados de um novo ideal;serve a um projeto civilizador do Estado Protetor, como em outrasexperiências (Freire, 2009). Nem é preciso explicitar: os atributos deum cuidador/familiar na saúde mental, naturalmente, em sua maioria,convergem e se assentam na figura feminina.Esse desejo pousa sobre ela por regras societárias que regulampapéis e fazeres masculinos e femininos: eles “resultam da incorporação107
Rachel Gouveia Passosde classificações, assim naturalizadas, de que seu sersocial é produto” (Bourdieu, 1999:47).O cuidar na saúde mental: a cogestãodo cuidadoSegundo o dispositivo legal, é(...) responsabilidade do Estado, o desenvolvimentoda política de saúde mental, aassistência e a promoção de ações de saúdeaos portadores de transtornos mentais, com adevida participação da sociedade e da família,a qual será prestada em estabelecimento desaúde mental, assim entendidas as instituiçõesou unidades que ofereçam assistência em saúdeaos portadores de transtornos mentais (Lein. 10.216/01, Artigo 3°).A Lei n. 10.216/01 destaca que os cuidados dos usuáriosem sofrimento psíquico devem ser efetivados de modo compartilhadona saúde mental, ou seja, nem são cuidados meramenterestritos ao Estado, nem são atribuídos simplesmente àfamília. Trata-se de um conjunto de cuidados compartilhados,que denomino cogestão.Para o sucesso desse modo de prescrição de cuidados, oimportante não é restringir-se meramente a questões legislativase conceituais, porém pensar na construção da integralidade doscuidados que não podem ser restritos ou abandonados por nenhumadas partes, a família ou o Estado. Alves e Guljor (2004:227)vão destacar algumas premissas em relação aos cuidados na saúdemental. São elas:• “Liberdade em negação ao isolamento: esse cuidado implicainvestir na capacidade do sujeito para operar suas própriasescolhas, seu potencial de estabelecer suas próprias normatizações,pautadas em sua história e de forma singularizada;• Integralidade: o cuidado abarca a construção de projetos devida, em contraposição ao reducionismo de uma intervenção voltadapara a remissão de sintomas;• Direito sobre a noção de reparo: o direito de serem assistidasde maneira digna, de terem respeitada sua expressão diferente danorma;• Singularidade em relação a cada caso;• Incorporação permanente do papel do agenciador: a equipe decuidado e o serviço precisam estar prontos para acompanhar a trajetóriado sujeito em sofrimento, sem compartimentá-lo por especifici-108