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Lucia Rabello de CastroPor outro lado, o progresso moral que tais leisespecíficas, como a do ECA, expressam - quandorepresentam a vulnerabilidade da criança como umvalor, e portanto, um algo a mais que a sociedadedeva atentar – revela transformações nos imagináriossociais (ou, se querem, nos campos identificatórios) emque a vulnerabilidade adquire valência positiva em vezde negativa. Exemplifico para esclarecer o argumento.Comparemos o momento de hoje com o de, digamos,500 anos atrás, quando da vinda dos portugueses para oBrasil nas grandes viagens marítimas. Naquele momento,em situações de risco de naufrágio, eram as crianças as queem primeiro lugar eram sacrificadas e jogadas em alto-marpara que os homens adultos pudessem se salvar com osrecursos que havia (Ramos, 1999). De seres imprestáveis, ecargas inúteis, sem nenhuma relevância na economia e napolítica no séc. XVI, e, ainda subsequentemente, por longotempo, as crianças, hoje, foram alçadas à condição de importância.Nelas se deposita a promessa do futuro, a esperançano mundo de amanhã. A vulnerabilidade de crianças que astornava sem préstimo na perspectiva dos quinhentos, tanto queeram as primeiras a serem jogadas no mar, hoje é vista comoum valor importante. A vulnerabilidade hoje garante a primaziapara crianças e adolescentes, quando se trata de seu socorro eproteção. No par. único do artigo 4º do ECA tem-se: “a garantiade prioridade compreende, a) primazia de receber proteção e socorroem quaisquer circunstâncias...(meus grifos), estabelecendo,portanto, uma total inversão em relação às práticas quinhentistas.Não foram exatamente as crianças que conseguiram que asociedade mudasse radicalmente o modo de considerar a infância e aadolescência. Crianças e jovens não foram os atores que contestaramsua posição de opressão reivindicando mudanças e garantias. Certamente,outros atores, adultos porta-vozes dos interesses desses segmentos,além de diferentes condições econômicas, culturais e políticasfizeram com que tais transformações acontecessem. Hoje, a proteçãoda criança se insere no quadro de preocupações sobre a continuidadesocietária. Para alguns, por exemplo, da proteção das crianças e doseu desenvolvimento saudável, dependerá a aposentaria e a velhicetranquila de toda uma geração. São eles, as crianças e jovens de hoje,que pagarão a conta, seja dos benefícios do sistema, seja dos gastos edesperdícios não resgatáveis. Por isso mesmo, elas têm que se prepararna escola, e o direito à educação neste viés, torna-se uma obrigação cívica.Wintersberger (2001), parafraseando Marx, ressalta, por exemplo, que semáquinas são vistas como trabalho vivo coagulado, então as qualificaçõesbásicas de adultos ocupados, necessárias à sociedade industrial, nada maissão do que trabalho infantil coagulado. Para este autor, o valor das criançasna sociedade moderna deve-se tanto à segurança existencial da geração152

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