Teias da Saúde: desigualdades de saúde, saúde das desigualdadesviolência, o traumatismo e a humilhação atingem aidentidade corporal e psíquica da pessoa faz apelo anovas respostas. Mais do que uma maior esperançade vida com boa saúde, podemos interessar-nos poruma esperança de vida boa, conferindo-lhe uma possibilidadeefectiva e não teórica, de auto-realização emsociedade em boa relação com os outros, numa atitudede respeito pela dignidade de todo o ser humano e oque lhe diz respeito, o que consiste em poder e saberviver bem.Os direitos humanos e as desigualdadesde saúdeA Declaração universal dos direitos do homem inspira--se numa ética altruísta que respeite a vida, reconheça econsagre a diferença, mas não a discriminação, se esforcepor promover a igualdade de oportunidades, inclusive desaúde, e a conquista da autonomia da pessoa através doexercício das responsabilidades. Uma pedagogia dos direitosdo homem dirigindo-se às crianças de maneira apropriada,desde idades precoces, à escola e fora dela, prolongando-senuma acção educativa, contribuirá a médio e longo prazo parafazer penetrar esta ética no conjunto do corpo social e mudaro olhar da sociedade sobre tudo o que constitui um atentado àdignidade humana. Se a família, a escola e outras instâncias similaresfizerem tábua rasa do valor da transmissão deste elevadopatrimônio da humanidade, podem arriscar-se a contribuir, aindamais, para a intensificação da “desumanização” das sociedades,o que se reflecte no exercício da cidadania, na coesão social, umsuma na saúde integral, incluindo as relações humanas e sociais.Sob o ponto de vista da saúde propriamente dita 2 , o artº 25 dareferida declaração preconiza que “Toda a pessoa tem direito a umnível de vida suficiente para assegurar a sua saúde…”. O que se pode,então, entender por nível de vida suficiente? Trata-se de uma questãoque pode obter várias respostas. Mas ninguém poderá contestar o factode que a noção de vida suficiente implica pelo menos a possibilidadede cada um poder satisfazer certas necessidades essenciais: alimentação,habitação, vestuário, serviços domésticos e comunitários comoabastecimento de água, instalações sanitárias, serviços de saúde e deeducação. Significa, também, que cada um tem direito a trabalhar parapoder levar uma vida decente e que um sistema de segurança social de-2Não nos sintonizando totalmente com o conteúdo da célebre definição de saúde da OMS, de 1946, pois entendemosque a saúde é uma realidade muito mais dinâmica do que a que encerra e pode ter tantas definiçõesquanto as condições sociais e sanitárias das pessoas, as representações colectivas e as culturas, na esteira deLazorthe (1993), concebemos a saúde, enquanto noção, como a capacidade de manter um estado de harmoniapsicossocial e biológica, constantemente ameaçada do nosso organismo, de se adaptar continuadamente às variaçõesexteriores, de resistir às agressões microbianas, tóxicas traumáticos e de se curar após ter estado doente.27
Maria Engrácia Leandroverá ser previsto de modo a satisfazer as necessidadesdos incapacitados de o fazerem.Todavia, à medida que fomos passando de sociedadesdo trabalho para sociedades do emprego, éessencialmente este que assegura a sobrevivência dosindivíduos e das suas famílias. Ademais, se na Bíblia(Gen. 3, 19) o trabalho aparece como punição do pecado,nas sociedades hipermodernas tornou-se num prémio,um valor fundamental para os europeus a seguir à família(Almeida, 2003). O que acontece, de há uns anos a estaparte, é que o desemprego tem aumentado vertiginosamentedeixando muitas pessoas e suas famílias sujeitas aosimponderáveis das circunstâncias e ainda mais quando nãousufruem do tal capital social de que falámos anteriormente.A interacção entre o desemprego e a saúde pode jogarem dois sentidos: uma pessoa com saúde precária, que atépode ser estigmatizante, pode ter mais riscos de perder oude vir a encontrar um emprego; ao inverso, a saúde pode seralterada pelo desemprego e sobretudo o de longa duração.Ora, o aumento do desemprego abrange em primeiro lugar osindivíduos menos qualificados e mais frágeis, estendendo-sedepois a categorias menos expostas. A este propósito um estudofeito na França (Mesrine, 1999) veio revelar que nos anos 1990,a mortalidade relativa dos desempregados aumentou. Tal factopode traduzir um agravamento das condições de vida que se vãoreflectir na saúde, na doença e no acelerar da morte. Ora, o direitoao trabalho, consagrado no artigo 23 da Declaração universal dosdireitos do homem, é dos mais elementares, pois dele decorrem ascapacidades de sobrevivência e de realização humana.Ao invés, o desemprego pode estar na origem de várias alteraçõesde saúde através de vários mecanismos. Um deles é a pobrezae quiçá o desespero e a desilusão. Os efeitos do desemprego sobrea saúde poderão estar associados às dificuldades econômicas e emocionaisque arrasta (Leandro, 2010). O desemprego é considerado umimportante factor de stress, de várias desordens psicossociais, comoa perda da auto-estima, de contacto com os outros, de estatuto social,das habituais condições de existência… A ansiedade crônica que tendea instalar-se afecta a saúde mental que, por sua vez, atinge a saúdefísica e relacional. Pode ainda fazer desencadear comportamentos derisco: consumo de álcool, tabaco, alimentação sem qualidade, etc. Masimporta referir que algumas destas propensões até poderiam existir anteriormente.Só que agora há toda uma cadeia de riscos, que podem darazo a vários males, intervindo o desemprego em interacção com outrosfactores percursores de doença (Mesrine, 2000).28