Ir além dos direitos? Emancipação e política no campo da infância e juventudepróprios direitos; ii) que a legislação não induz a umflorescimento da política como campo de contestaçãosobre os valores da vida em comum que possa, então,conduzir a encaminhamentos e decisões éticas de umgrupo social. No que diz respeito ao primeiro ponto, alei que dá garantias específicas, fundada numa lógicade proteção à criança, induz a controvérsias que aindatemos que compreender melhor, uma vez que o estadoatual do conhecimento ainda é falho e insuficiente.Explicando: a lei específica que determina a proteçãoa crianças e jovens alude a uma situação histórica e culturalda vulnerabilidade das crianças, ou se funda em umavisão naturalista e essencialista em que a vulnerabilidadeé parte da ‘natureza de ser criança’? No primeiro caso, seconcebe a vulnerabilidade de crianças como produzida nateia dos embates e conflitos entre os grupos sociais, e nosegundo, como produto inexorável da natureza destinandoos mais jovens a se subordinarem, durante algum tempo, aseus protetores. Conforme concebamos a proteção à infânciae à adolescência, os problemas a que Pupavac alude encontram,ou não, encaminhamento possível. Se a vulnerabilidadedas crianças é atribuível a condições históricas, e não a umanatureza infantil, então, crianças podem ser consideradas, emprincípio, sujeitos agentes que podem falar em seu nome.O outro ponto, com que gostaria de terminar, é em relação ase a questão dos direitos não estaria conduzindo a sociedade paraum consenso de posições, para uma neutralização das discussõesideológicas, como se tudo pudesse ser equacionado por prerrogativasque cada grupo social vai exigindo do quinhão societário.Neste sentido, dar direitos – ao menos contemplados na letra dalei – significa neutralizar as lutas políticas maiores, como por exemplo,de outros projetos societários, de outros pactos sociais onde adescartabilidade de parcelas da população possa ser de vez, banidae extinta. Se por um lado, a infância no Brasil “ganhou direitos”,e isso parece trazer uma certa movimentação e institucionalizaçãoem prol das crianças, por outro lado, as discussões sobre educaçãopública, saúde pública e cultura parecem estar esvaziadas. Ou seja,ao se contemplar um segmento com garantias, se dá a impressão queavançamos na imensa tarefa de diminuir as imensas desigualdadesdeste país. No entanto, tão somente pelas lutas por um outro pacto eprojeto societário poderemos, de fato, dar conta de garantias universaispara todas as crianças e jovens.Ir além dos direitos significa perceber o imperativo dos movimentosmais amplos para a re-organização da sociedade brasileira. Só assim osdireitos da infância, assegurados em leis positivas, terão a chance de se157
Lucia Rabello de Castrotornarem reais como garantias individuais e universaispara qualquer criança.Nota: As opiniões expressas neste artigo são dainteira responsabilidade da autora.Referências BibliográficasBOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,2004, 5ª impressão.BRASIL/LEI 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente.Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e doAdolescente, 2005.CARVALHO, J.M. A formação das almas. O imaginário daRepública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.DAGNINO, E. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil.São Paulo: Paz e Terra, 2002.DERRIDA, J. Force de loi. Paris: Galilée, 2005.HILL, M. DAVIS, J. PROUT, A. & TISDALL, K. Moving the ParticipationAgenda Forward. Children and Society 18, 2004, 77-96.PINHEIRO, A. Criança e adolescente no Brasil. Porque o abismoentre a lei e a realidade. Fortaleza: Editora UFC, 2006.PUPAVAC, V. The International Children’s Rights Régime. In: D.CHANDLER (Ed.) Re-thinking Human Rights. Palgrave: BasingStoke, 57-81.RAMOS, F. P. A história trágico-marítima das crianças nas embarcaçõesportuguesas do século XVI. In: DEL PRIORE, M. (Ed.). Históriadas crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, 19-54.SINCLAIR, R. Participation in Practice: Making it Meaningful, Effectiveand Sustainable. Children and Society, 18, 2004, 106-118.TELLES, V. Sociedade civil e construção de espaços públicos. In: E. Dagnino(Ed.). Anos 90 Política e Sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense,1996, 91-102.WINTERSBERGER, H. Crianças como produtoras e consumidoras: sobreo significado da relevância econômica das atividades das crianças. In:CASTRO, L.R. (Ed.) Crianças e jovens na construção da cultura. Rio deJaneiro: Nau/Faperj, 2001, 93-120.158