Primeira infância em Moçambique, constatações e desafiosperspectivas dos outros. No contacto com as criançasmoçambicanas sentimos uma presença de padrões derelação insegura, traços de timidez que se repetemapós gerações de incompreensão da infância comouma fase de vida essencial ao desenvolvimento do Eu.A cultura moçambicana, e africana de forma geral, estárepleta de tradições e rituais de transição para as diferentesfases de vida, sendo o nascimento, a puberdadevs adultez, o casamento e a morte, as mais importantes.A Infância tem estado assim diluída, sendo uma idade detrabalho e contribuição para a sustentabilidade do lar. Àscrianças, resultado de uma visão meramente procriadora,se exigia que contribuíssem para a sua sobrevivência, recolhendoalimentos, tomando conta dos irmãos mais novos,vendendo ou pedindo esmolas.Numa análise ao desenvolvimento humano aparece aquestão do peso entre a educação, o ambiente e os genes.Basicamente a interacção dos genes com o ambiente, os aspectosintrínsecos e extrínsecos compreendem mais do queuma mera soma de influências.Vygotsky & Luria (1994), descrevem o desenvolvimentocomo um processo dinâmico e utilizando o conceito de Zonade Desenvolvimento Proximal (ZDP), Vygotsky (1988) refereque existe um nível de desenvolvimento real e uma zona dedesenvolvimento proximal correspondente às actividades que osujeito ainda não consegue realizar sozinho, mas consegue coma ajuda de outra pessoa. Essa pessoa pode ser representada porum cuidador, professor, educador ou terapeuta.Estas evidências sustentam estratégias educativas e de reabilitaçãode crianças com problemas de desenvolvimento, sendo opadrão de relação adulto-criança o responsável pela qualidade dasexperiências que determinam as respostas das crianças.Estas referências, assim como os pressupostos da abordagemsistémica e a valorização de uma intervenção orientada para a famíliaconstituem o núcleo da intervenção realizada nos Centros de ReabilitaçãoInfantil (CRIs) nos distritos de Chókwè e Chibuto, província deGaza, Moçambique.Estes centros foram lançados pela Organização Não GovernamentalDouleurs sans Frontières (DSF) que actua em Moçambique desde1996, com a missão de « contribuir para o bem-estar, para o tratamentoda dor e para o alívio do sofrimento das populações em dificuldade, atravésdo reforço das competências dos atores institucionais e da sociedade civil,81
Carla Ladeirabem como do reforço dos mecanismos da coordenaçãoentre eles».O CRI de Chókwè entrou em funcionamento em2001 e os seus resultados promissores inspiraram paraa abertura de um outro CRI em Chibuto no ano de 2007.Os CRIs funcionam com uma equipe composta de8 Educadores de Reabilitação Infantil, 1 psicólogo e 2técnicos de psiquiatria que trabalham também nas comunidadesenvolventes.Ao longo de 2010 os CRIs registaram 11.163 frequênciasmensais de crianças em situação de vulnerabilidade(7572 rapazes e 3591 raparigas) sendo 9093 crianças emChókwè e 2070 em Chibuto. Nesta população atendida, 234crianças apresentavam problemas de desenvolvimento, comodemonstra a tabela seguinte:Tipos de Casos AtendidosPerturbações Comportamentais 50Atraso Mental 20Deficiência Motora 36Dificuldades de Aprendizagem 80Dificuldades na fala, linguagem ecomunicaçãoTotal de casos atendidos 234Tabela 1: Tipologia de problemas de desenvolvimento nas criançasatendidas48Conjugado com estes problemas muitas crianças apresentamperturbações psicológicas por sequelas de epilepsia, maláriae outras doenças como o HIV/SIDA cuja prevalência é de 26% naprovíncia de Gaza.O acompanhamento dessas crianças, nos distritos referidos,teve como base os CRIs com uma equipe especialmente formada noatendimento à criança com necessidades especiais (por deficiência,traumas, malnutrição, pobreza extrema) e uma rede de 256 Agentesde Cuidados Domiciliários (ACDs) para um apoio de proximidade aosistema familiar dessas crianças e rede de referência aos serviços deeducação, saúde e acção social.Estes profissionais verificam que muitas crianças nestas condiçõesde vulnerabilidade precisam de actividades de socialização e de cuidadosdomiciliários associados a actividades de reabilitação psicológica. Oproblema reveste-se de uma dimensão intrínseca, de vulnerabilidade nacondição de saúde, de ânimo psíquico e de uma dimensão extrínseca pelo82