jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
113<br />
porque os ricos seriam os únicos que per<strong>de</strong>riam com a guerra generalizada <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s contra<br />
to<strong>do</strong>s, pois se os pobres continuassem a lutar em busca da proprieda<strong>de</strong> que já estava na posse<br />
<strong>do</strong>s ricos, ainda teriam chances <strong>de</strong> adquiri-la, o que por certo seria muito <strong>de</strong>svantajoso para os<br />
primeiros. Assim surgiu a proposta <strong>de</strong> cada um manter o que tinha, através <strong>de</strong> mecanismos<br />
jurídicos, sen<strong>do</strong> que os ricos conseguiram convencer os pobres (que só tinham a pobreza) a<br />
com ela ficar, e ainda a renunciar ao direito <strong>de</strong> tentar reaver o que per<strong>de</strong>ram (a liberda<strong>de</strong>).<br />
Rousseau explica essa passagem <strong>do</strong> pacto <strong>do</strong>s ricos também no Discurso sobre a Economia<br />
Política 96 quan<strong>do</strong> resume o pacto a uma frau<strong>de</strong>, na qual os ricos comandariam os pobres em<br />
troca permitiram aos pobres terem a honra <strong>de</strong> servi-los.<br />
O pacto <strong>do</strong>s ricos por ser fundamenta<strong>do</strong> na <strong>do</strong>minação <strong>de</strong> um homem sobre outro,<br />
e <strong>de</strong>sta forma na conseqüente <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, e ainda na renúncia da liberda<strong>de</strong>, recebeu <strong>de</strong><br />
Rousseau o título <strong>de</strong> ilegítimo, porque contraria as leis da natureza. O homem não é<br />
naturalmente <strong>de</strong>sigual, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s naturais existentes são somente físicas, que em nada<br />
afetam a vida social e a igualda<strong>de</strong> que nela <strong>de</strong>ve ser pressuposta. O homem que vive em<br />
socieda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve estar subjuga<strong>do</strong> à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um outro homem, sob pena <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua<br />
liberda<strong>de</strong>, e consequentemente renunciar a sua própria condição humana.<br />
Rousseau afirma que a liberda<strong>de</strong> e a perfectibilida<strong>de</strong> 97 são as duas características<br />
pertencentes à espécie humana. A perfectibilida<strong>de</strong> é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o homem aperfeiçoar-se,<br />
que não admite renúncia porque é manifestação intelectual involuntária, inerente à espécie, e<br />
assim não po<strong>de</strong>ria ser renunciada. Quanto à liberda<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> um homem aceita submeter-se<br />
a outro, a viver sob o coman<strong>do</strong> e <strong>do</strong>minação <strong>de</strong> um senhor, e a servi-lo, renuncia a sua<br />
liberda<strong>de</strong>. Esse ato <strong>de</strong> renúncia à liberda<strong>de</strong> humana é visto por Rousseau como uma renúncia<br />
à própria condição humana, pois somente o homem é livre para escolher, enquanto os animais<br />
apenas cumprem os <strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> suas espécies.<br />
Renuncian<strong>do</strong> a esta especificida<strong>de</strong> o homem, portanto, renuncia a sua própria<br />
condição humana. Quan<strong>do</strong> os pobres, portanto, renunciaram à liberda<strong>de</strong>, afetaram um direito<br />
humano inerente à própria condição, que jamais po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> renuncia<strong>do</strong>, sob pena <strong>de</strong><br />
renunciar a própria qualida<strong>de</strong> humana. Para Rousseau esse ato tornou o pacto realiza<strong>do</strong><br />
ilegítimo, porque não estaria <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a lei natural, e por isso seria injusto. Desta forma,<br />
Rousseau analisava as relações políticas existentes ao seu tempo, que se fundamentavam na<br />
<strong>do</strong>minação <strong>de</strong> um homem sobre outro, como sen<strong>do</strong> ilegítimas. O fato <strong>de</strong> um homem se<br />
96 “Po<strong>de</strong>mos resumir em quatro palavras o pacto social entre as duas partes: Você tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim,<br />
porque sou rico e você é pobre; façamos então um acor<strong>do</strong>: permitirei que você tenha a honra <strong>de</strong> me servir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que me seja da<strong>do</strong> o pouco que lhe resta, em troca <strong>do</strong> meu coman<strong>do</strong>” (ROUSSEAU, 1995, p. 52-3).<br />
97 Ver item 1.1.1.