jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
jaqueline fátima roman fundamentos de legitimidade do ... - Unioeste
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
53<br />
acreditam estar garantin<strong>do</strong> a liberda<strong>de</strong> e os direitos através <strong>de</strong>sse mesmo pacto, que tão-só<br />
legitima a arbitrarieda<strong>de</strong>. Um governo incipiente é instituí<strong>do</strong>, e os povos acreditam que há a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituírem um superior, um chefe para governar-lhes:<br />
pois se não houvesse po<strong>de</strong>r superior capaz <strong>de</strong> fazer-se fia<strong>do</strong>r da felicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
contratantes, nem <strong>de</strong> força-los a cumprir seus compromissos recíprocos, somente as<br />
partes ficariam como juízes em causa própria e cada uma <strong>de</strong>las sempre estaria no<br />
direito <strong>de</strong> renunciar o contrato assim que achasse que a outra estivesse infringin<strong>do</strong><br />
as condições ou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essas cessassem <strong>de</strong> convir-lhes (ROUSSEAU, 1983, p.<br />
276).<br />
Conforme já dito, o efeito obti<strong>do</strong> é justamente o contrário, os homens nomea<strong>do</strong>s<br />
chefes, se tornam tiranos, e usurpa<strong>do</strong>res da liberda<strong>de</strong>. Quem consente com a nomeação <strong>de</strong> um<br />
chefe, está sen<strong>do</strong> induzi<strong>do</strong> ao erro, pois acreditan<strong>do</strong> na promessa <strong>de</strong> segurança, institui a<br />
tirania, mesmo que engana<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma voluntária, pois renega sua própria liberda<strong>de</strong> em favor<br />
<strong>de</strong> outra pessoa, sem coação. O pacto onera apenas uma das partes, sem nada impor a outra, e<br />
por isso não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> legítimo: “será difícil <strong>de</strong>monstrar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um contrato<br />
que só obrigaria uma das partes, no qual tu<strong>do</strong> caberia a um la<strong>do</strong> e nada a outro, e só resultaria<br />
em prejuízo <strong>de</strong> quem nele se compromete” (ROUSSEAU, 1983, p. 273).<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> 35 que nasce como conseqüência <strong>do</strong> convívio é legalizada através<br />
<strong>do</strong> pacto ilegítimo, pois o homem no esta<strong>do</strong> social procura pela liberda<strong>de</strong>, renuncian<strong>do</strong><br />
parcela da sua em favor <strong>de</strong> um chefe, e assim pensa estar conservan<strong>do</strong>-a, e só faz perdê-la por<br />
completo. A or<strong>de</strong>m social e a segurança prometida se fundamentam na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e na não<br />
legitimida<strong>de</strong>, embora se apresente como legalida<strong>de</strong>. O pacto social existente é ilegítimo,<br />
porque arbitrário, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r, fundamenta<strong>do</strong> na usurpação da liberda<strong>de</strong>, no qual somente os<br />
pobres ficam com to<strong>do</strong>s os ônus, e os ricos com to<strong>do</strong>s os bônus. O homem social é<br />
completamente aprisiona<strong>do</strong>, <strong>de</strong>svirtua<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua essência que não permite nem <strong>do</strong>minação,<br />
nem obediência.<br />
Esse contrato abusivo, caricatura <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro pacto social, não tem sua fonte na<br />
vonta<strong>de</strong> espontânea <strong>do</strong> grupo em formação. Obra <strong>de</strong> astúcia e sedução, ele está,<br />
contu<strong>do</strong>, na base <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, constitui uma etapa <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> nossa<br />
história. Somos hoje os her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>sse mau negócio, em que a violência aberta da<br />
guerra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s contra to<strong>do</strong>s foi substituída pela violência hipócrita das convenções<br />
vantajosas para o rico (STAROBINSKI, 1991, p. 305).<br />
35 “É, pois, necessário <strong>de</strong>monstrar que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s têm uma história que se aprofun<strong>do</strong>u passo a passo; que<br />
seu aperfeiçoamento no mun<strong>do</strong>, mais que uma escolha da humanida<strong>de</strong>, indica uma série e <strong>de</strong>cisões e<br />
conseqüências que repercutem fundamente na vida <strong>do</strong> homem civiliza<strong>do</strong>; que ela tem a ver com perfectibilida<strong>de</strong><br />
e a liberda<strong>de</strong> enquanto traços constitutivos da condição humana; que necessitou <strong>do</strong> concurso fortuito <strong>de</strong> inúmeras<br />
causas para realizar-se e que, se no limite a fonte das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s não é invenção da proprieda<strong>de</strong>, seu<br />
aparecimento no mun<strong>do</strong>, no entanto, com ela coinci<strong>de</strong>” (GARCIA, 1999, p. 80).