<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> <strong>II</strong> Simpósio <strong>Winnicott</strong> <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong> - <strong>Winnicott</strong> na história da PsicanáliseO cuidar <strong>do</strong> sofrimento humano: a que se presta a terapia winnicottiana?The treatment of human suffering: what are the purposes of the <strong>Winnicott</strong>Psychoanalytical therapy?Manuela Campos PérgolaResumoA tarefa <strong>de</strong> viver e se manter vivo constitui-se em uma batalha que vai <strong>do</strong> início ao fimda vida <strong>de</strong> to<strong>do</strong> ser humano. Enfrentamos dificulda<strong>de</strong>s que são intrínsecas ao processo<strong>de</strong> amadurecimento e à própria condição <strong>de</strong> estar vivo. Frente a isso, os seres humanosbuscam caminhos para lidar com a dificulda<strong>de</strong> que é viver, e uma <strong>de</strong>ssas buscas po<strong>de</strong>ser a análise pessoal. Quan<strong>do</strong> falamos em análise, falamos <strong>de</strong> um méto<strong>do</strong> que consistena interpretação <strong>do</strong>s conflitos reprimi<strong>do</strong>s inconscientes, que po<strong>de</strong> curar sintomas. Masaté que ponto a cura <strong>do</strong>s sintomas também impulsiona para um crescimento <strong>do</strong>indivíduo? Na perspectiva <strong>de</strong> D. W. <strong>Winnicott</strong>, enxerga-se a análise como uma porta <strong>de</strong>entrada para a retomada <strong>do</strong> amadurecimento <strong>do</strong> ponto em que este, possivelmente, foiinterrompi<strong>do</strong>. Assim, neste trabalho, explora-se como a terapia winnicottiana lida com osofrimento humano que bate em sua porta.Palavras-chave: amadurecimento, <strong>Winnicott</strong>, análise, cura.AbstractThe task of living and staying alive is a battle that goes from the beginning to the end ofevery human being’s life. Difficulties are within the process of maturing and the actualcondition of being alive. Because of this, humans seek ways to <strong>de</strong>al with the difficultyof being alive, and one of these searches can be the personal analysis. When we talkabout analysis, we talk about a method that consists in interpreting the unconsciousrepressed conflicts, which can cure symptoms. But how far the cure of symptoms alsodrives to a personal growth? From the perspective of D. W. <strong>Winnicott</strong>, we see theanalysis as a way of going back to the point where the maturation process possiblystopped. Thus, this paper explores how the <strong>Winnicott</strong> Psychoanalytical therapy <strong>de</strong>alswith the human suffering that knocks on its <strong>do</strong>or.Keywords: maturation, <strong>Winnicott</strong>, analysis, healing.Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong>144
<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> <strong>II</strong> Simpósio <strong>Winnicott</strong> <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong> - <strong>Winnicott</strong> na história da PsicanáliseAo praticar psicanálise, tenho o propósito <strong>de</strong>:me manter vivo;me manter bem;me manter <strong>de</strong>sperto.(D. W. <strong>Winnicott</strong>)On<strong>de</strong> estou? E on<strong>de</strong> me acho? Lispector nos disse que “to<strong>do</strong> momento <strong>de</strong> acharé um per<strong>de</strong>r-se a si próprio”. Então, se quan<strong>do</strong> tento me encontrar, me perco, quemsou? E se nada encontrar, a não ser o vazio? E se o vazio for <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> paracaber no encontro? Com o quê fico? Temos me<strong>do</strong> <strong>de</strong> cair, <strong>de</strong> cair e nunca maisconseguir encontrar a nós mesmos. Encontrar po<strong>de</strong> ser encontrar o fio, o pequeno fiofino e tênue que nos liga a nós mesmos. É por esse fio que clamamos! É esse o fim quequeremos para a nossa história. Nas palavras <strong>de</strong> <strong>Winnicott</strong>, “que possamos estar vivosno momento <strong>de</strong> nossa morte.” Estar vivo e po<strong>de</strong>r viver. Viver, e não sobreviver. Viver esentir, com tu<strong>do</strong> o que isso po<strong>de</strong> causar. Estar vivo significa morrer a cada dia, e acada dia encontrar o fio tênue que dá senti<strong>do</strong> a nossa existência. Sen<strong>do</strong> assim, cada diaé um encontro. Um encontro com nós mesmos, com o inespera<strong>do</strong>, com o vazio e com oque po<strong>de</strong> emergir <strong>de</strong>sse mar tão escuro. Pura água e escuridão. Procurar análise po<strong>de</strong>estar aí incumbi<strong>do</strong>: na tarefa <strong>de</strong> nos mantermos vivos, <strong>de</strong>spertos, bem. Felizes, talvez.Talvez felicida<strong>de</strong> possa ser encontrar o verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> estar vivo, <strong>de</strong> ter forçaspara batalhar pela guerra da existência to<strong>do</strong>s os dias. E precisamos <strong>de</strong> ajuda para isto,pois a guerra da existência é dura, e sempre será, e o ser humano, nas palavras <strong>de</strong>Hei<strong>de</strong>gger, “é essencialmente necessita<strong>do</strong> <strong>de</strong> ajuda, por estar sempre em perigo <strong>de</strong> seper<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> não conseguir dar conta <strong>de</strong> si mesmo” (HEIDEGGER apud DIAS, 2002, p.350).A análise, em seus primórdios freudianos, se constitui no méto<strong>do</strong> que, porexcelência, é a interpretação <strong>do</strong> conflito reprimi<strong>do</strong> inconsciente. Sen<strong>do</strong> o conflitointerpreta<strong>do</strong>, o indivíduo po<strong>de</strong> sentir-se cura<strong>do</strong>, pois, ao falar e receber a interpretação<strong>do</strong> analista, o conflito – que antes era inconsciente – torna-se consciente e assim, po<strong>de</strong>ser trabalha<strong>do</strong>. Mas até que ponto a cura também impulsiona para um crescimento? Atéque ponto o conflito inconsciente interpreta<strong>do</strong> traz o sentimento <strong>de</strong> que somos reais?Até que ponto po<strong>de</strong>mos ser sustenta<strong>do</strong>s pelo analista, no lugar da mãe suficientementeboa que não tivemos, ou que tivemos e per<strong>de</strong>mos?O analista não é apenas o ouvi<strong>do</strong> que escuta, mas a mão que toca, os braços queabraçam, os olhos que se enchem <strong>de</strong> expressão e a boca, que sorri e fala. O analista estávivo, e, estan<strong>do</strong> vivo, se faz presente, não apenas com as interpretações, mas com oambiente favorável que po<strong>de</strong> proporcionar que o paciente sinta-se acolhi<strong>do</strong> e possa,então, falar daquilo que angustia e sufoca. O analista é aquele que, treina<strong>do</strong> para ouvir,ouve. Mas também é aquele que, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> treina<strong>do</strong> para ter sensibilida<strong>de</strong>, ésensível. O analista é aquele que se interessa <strong>de</strong>sinteressan<strong>do</strong>-se, que mantém o olhar,Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong>145