<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> <strong>II</strong> Simpósio <strong>Winnicott</strong> <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong> - <strong>Winnicott</strong> na história da Psicanálise(laboratório interpretativo), realizada por Bowlby e outros; 3. a observação direta <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento, realizada por Mahler, Spitz e Bowlby e, também, uma série <strong>de</strong>estu<strong>do</strong>s experimentais para validar as concepções teóricas.Portanto, entre os anos 70 e 90 <strong>do</strong> século XX o cenário psicanalítico americanomu<strong>do</strong>u, haven<strong>do</strong> cada vez mais espaço para as i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong>s teóricos das relações objetaisem razão <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong>senvolvimentais que enfatizavam que a interrupção e o déficit<strong>de</strong> atendimento <strong>do</strong>s pais ao longo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da criança, mais <strong>do</strong> que osconflitos sexuais, eram os elementos significativos para a psicopatologia. Por<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem uma clara ruptura com a teoria instintual freudiana, as posições teóricas <strong>do</strong>grupo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Socieda<strong>de</strong> Britânica – especialmente a noção da importância <strong>do</strong>ambiente e <strong>do</strong> relacionamento inicial entre mãe e bebê – passaram a ser consi<strong>de</strong>radascomo uma alternativa para o impasse psicanalítico.Para compreen<strong>de</strong>r a mudança <strong>de</strong> interesse teórico ocorrida no campopsicanalítico é importante voltar à atenção para o trabalho <strong>de</strong> John Bowlby, queestudava os efeitos das diferentes formas <strong>de</strong> experiência familiar sobre o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma criança <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1929, quan<strong>do</strong> trabalhou em uma escola paracrianças <strong>de</strong>sajustadas. Contrapon<strong>do</strong> as i<strong>de</strong>ias kleinianas, que <strong>de</strong>fendiam o pre<strong>do</strong>mínioda agressivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bebê como um aspecto intrapsíquico, Bowlbysustentava a importância <strong>do</strong> relacionamento entre mãe e filhos como base para oajustamento psíquico, e marcou sua dissidência com M. Klein quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>stacou o papelda mãe real com a afirmação: “mas existe uma coisa como uma mãe ruim”(MITCHELL e BLACK, 1995, p. 114).Funda<strong>do</strong> nessa inquietação, Bowlby iniciou uma produtiva e influente linha <strong>de</strong>pesquisa sobre o afeto que contribuiu para elucidar a importância <strong>do</strong> compromisso <strong>do</strong>spais para com os filhos. A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> que problemas relativos à mudança <strong>de</strong>ambiente e/ou separação e perdas parentais exercem influência no <strong>de</strong>senvolvimentoemocional da criança e a<strong>do</strong>lescente gerou modificações tanto no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>relacionamento familiar como nas políticas públicas ligadas ao alojamento erecuperação <strong>de</strong> jovens antissociais.Em virtu<strong>de</strong> da divulgação <strong>de</strong> suas pesquisas, John Bowlby foi contrata<strong>do</strong> em1950 pela Organização Mundial da Saú<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senvolver um estu<strong>do</strong> sobre asnecessida<strong>de</strong>s das crianças sem lar, isto é, crianças órfãs ou separadas <strong>de</strong> suas famíliaspor diferentes motivos e que precisavam <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong> lares substitutos ou algumainstituição. Para realizar esse trabalho ele passou cinco meses viajan<strong>do</strong> por diversosUniversida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong>36
<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> <strong>II</strong> Simpósio <strong>Winnicott</strong> <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong> - <strong>Winnicott</strong> na história da Psicanálisepaíses da Europa (França, Suécia, Suíça, Reino Uni<strong>do</strong>) e pelos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,participan<strong>do</strong> <strong>de</strong> discussões com os responsáveis pelo assunto em cada país. 14Essa empreitada <strong>de</strong> Bowlby teve gran<strong>de</strong> repercussão por estar sintonizada com aclássica polêmica entre natureza versus criação que rondava o mun<strong>do</strong> científico social eo campo psicanalítico no segun<strong>do</strong> pós-guerra, reacen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> também, no interior dapsicanálise, a questão da oposição trauma versus fantasia como origem <strong>do</strong> a<strong>do</strong>ecer. Anoção <strong>de</strong> que a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s que uma criança recebe nos primeiros anos <strong>de</strong>vida e também a privação materna nessa fase têm ressonância em termos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>emocional futura foi acolhida como um avanço. Em suas pesquisas com animais, e naanálise comparativa <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s com crianças – evi<strong>de</strong>ntes esforços em correspon<strong>de</strong>r aoapelo <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> e comprovação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s exigi<strong>do</strong>s da psicanálise pelacomunida<strong>de</strong> filosófica científica americana –, Bowlby aponta as situações e problemasque po<strong>de</strong>m se confirmar como ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ou traumáticos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>uma criança. No entanto, apesar <strong>do</strong> impacto que suas i<strong>de</strong>ias provocaram e a gran<strong>de</strong>repercussão <strong>de</strong> seus livros, po<strong>de</strong>mos dizer que as tentativas <strong>de</strong> teorização <strong>de</strong> Bowlby sãoreconhecidamente frágeis e simplistas.A crítica <strong>de</strong> <strong>Winnicott</strong> às proposições teóricas <strong>de</strong> Bowlby foi incisiva. Apesar <strong>de</strong>dar crédito à iniciativa <strong>do</strong> colega <strong>de</strong> anunciar o valor <strong>do</strong> relacionamento mãe-bebê nosmomentos iniciais e <strong>de</strong> propagar a importância <strong>de</strong> se evitarem rompimentos<strong>de</strong>snecessários nessa fase, <strong>Winnicott</strong> aponta sérias restrições aos postula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Bowlby.As objeções <strong>de</strong> <strong>Winnicott</strong> às justificativas teóricas <strong>de</strong> Bowlby são <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que leros comentários <strong>de</strong> <strong>Winnicott</strong>, 15 sem estudar Bowlby, po<strong>de</strong> provocar a errônea impressão<strong>de</strong> que houve má vonta<strong>de</strong> da parte <strong>do</strong> primeiro em relação à contribuição teórica <strong>do</strong>colega britânico. 1614 Um relatório das conclusões <strong>de</strong>sse estu<strong>do</strong> foi publica<strong>do</strong> em forma <strong>de</strong> livro em 1952, como umacompilação <strong>do</strong> relatório original, entregue pelo psicanalista a ONU em 1951. Em 1964 uma segundaedição <strong>do</strong> livro Cuida<strong>do</strong>s Maternos e saú<strong>de</strong> Mental foi publicada. Essa nova edição foi revisada pelopróprio autor e acrescida <strong>de</strong> <strong>do</strong>s artigos <strong>de</strong> Mary D. Salter Ainsworth, que também são resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>investigação e estu<strong>do</strong>s sobre o mesmo tema e foram solicita<strong>do</strong>s pela ONU em 1962.15 <strong>Winnicott</strong> fez a resenha <strong>do</strong> livro Maternal Care and Mental Health <strong>de</strong> Bowlby e participou como omesmo <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate Grief and Mourning in Infancy que po<strong>de</strong>m ser vistos em <strong>Winnicott</strong> (1994).16 Na resenha que fez <strong>do</strong> livro, Cuida<strong>do</strong>s Maternos e saú<strong>de</strong> Mental, <strong>Winnicott</strong> realça a preocupação <strong>de</strong>Bowlby em dar um tratamento estatístico para as questões psicológicas e o quanto perseguir esse objetivosupersimplificou o assunto trata<strong>do</strong>. Ele também critica a abordagem teórica <strong>do</strong> livro, “uma pobreza <strong>de</strong>tratamento que é <strong>de</strong>cepcionante”, con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que, em alguns momentos “são mais satisfatórios,embora mais popularmente formula<strong>do</strong>s” (WINNICOTT, 1994 p. 324). Quan<strong>do</strong> juntos, em 1953, em um<strong>de</strong>bate sobre o tema luto na infância, <strong>Winnicott</strong> <strong>de</strong>clara o equívoco da leitura, por parte <strong>de</strong> Bowlby, sobreo tema privação e <strong>de</strong>privação, perda e luto em seus próprios textos. Também faz questão <strong>de</strong> se pronunciarsobre o quanto consi<strong>de</strong>ra ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> a transposição <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s com animais para sereshumanos dizen<strong>do</strong> “gosto da etologia por causa <strong>do</strong> que ela nos diz a respeito <strong>do</strong>s animais” e, afirmaUniversida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> <strong>Londrina</strong>37