Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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2.1. A Campanha de Mestre Francisco Lorete em Santa Cruz de Coimbra<br />
Francisco Lorete, ou Francisco do Loreto, como por vezes surge referido na<br />
documentação da época em que se fixou em Coimbra, foi então um dos artistas<br />
envolvidos nessa nova estética de matriz classicizante, mas sobretudo humanista que,<br />
com maior fulgor, passou a ser cultivada na cidade e no país a partir da segunda década<br />
de quinhentos. Ainda não suficientemente referido como um dos primeiros cultores<br />
verdadeiramente sérios dessa arte renascentista cujos módulos e cujo vocabulário<br />
facilmente se identificam como pertencentes a um tempo e a uma cultura determinados,<br />
Francisco Lorete poderia ter sido, à primeira vista, e tanto pelo nome como pela forma<br />
de trabalhar, um artista italiano. Efectivamente, a frequência do topónimo Loreto em<br />
território italiano – cujo exemplo mais conhecido será a cidade vizinha de Ancona –<br />
potencial denunciadora de uma origem italiana, encontraria facilmente eco no perfeito<br />
domínio de um vocabulário artístico cuja raiz itálica é sobejamente conhecida, presente,<br />
por exemplo, nos grutescos zoo e fitomórficos do cadeiral de Santa Cruz ou nos<br />
medalhões decorados com bustos a três quartos da caixa do órgão da mesma igreja. No<br />
entanto, a própria raiz etimológica do nome Loret, Lloret, Lorete ou Loreto, que reside<br />
da designação latina de laurus ou lauretum, revela uma quantidade de possibilidades<br />
geográficas e culturais que nos redireccionam para a hipótese de uma origem catalã ou<br />
francesa, esta última confirmada, finalmente, de forma directa pelos próprios<br />
documentos e de forma indirecta pelo tom de aclimatação que perpassa certos elementos<br />
das obras crúzias a que já nos referimos.<br />
Apresentado, então, como Francisco Lorete, francês, carpinteiro de marcenaria,<br />
num contrato de 1531 para a mudança do cadeiral de Santa Cruz para o coro-alto e para<br />
a sua ampliação, este oficial inclui-se na leva de artistas franceses que progressivamente<br />
foram substituindo os mestres e equipas de origem germânica e flamenga na execução<br />
das principais obras do reino, num movimento perfeitamente sintomático da mudança<br />
estética que então se começava a operar. Entre as motivações culturais e estéticas,<br />
essencialmente imateriais na sua formulação, juntavam-se a notória prosperidade<br />
adquirida por Portugal durante os tempos da Expansão, potenciadora de maiores<br />
investimentos, bem como um clima genericamente pacífico, que até mesmo D. José de<br />
Cristo acreditava ter sido um dos elementos mais apelativos para a escolha de Portugal<br />
como destino dos artistas franceses, que fugiam “de França por os não prenderam para<br />
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