Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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Assim, torna-se evidente que os oficiais ou aprendizes que criaram a esmagadora<br />
maioria das misericórdias não deverão ter sido os mesmos – salvo raras excepções – que<br />
criaram os atlantes, figuras que virtualmente suportam o peso do peitoril das cadeiras<br />
baixas, nem as estatuetas que intercalam os quadros urbanos da cimalha. Comparando<br />
esculturas como a do atlante mouro do lado do Evangelho ou um dos profetas da<br />
cimalha, com as figuras esculpidas nas misericórdias, desde as figurações humanas ou<br />
semi-humanas às animais, verifica-se uma diferença flagrante – ao nível do lançamento<br />
das linhas compositivas, do tratamento das formas, da qualidade de execução – que<br />
apenas se poderá explicar por um de dois factores: a presença de trabalhadores com<br />
diferentes níveis de capacidade escultórica ou a execução algo negligente e apressada<br />
das esculturas de menor exigência ao nível das imposições da encomenda.<br />
Embora o trabalho das misericórdias seja frequente e acertadamente apontado<br />
como particularmente difícil e exigente do ponto de vista da execução, dada a<br />
exiguidade do espaço disponível para o talhe 198 , a perícia de um mestre consumado,<br />
naturalmente o próprio mestre da equipa envolvida na obra, mas também algum oficial<br />
particularmente qualificado em trabalhos de imaginária, contornaria facilmente essas<br />
dificuldades através de adaptações inventivas ao nível do tamanho, número ou<br />
posicionamento das personagens ou motivos a esculpir, sem por isso prejudicar a<br />
qualidade do talhe. Exemplo disso é, por exemplo, a misericórdia 42, decorada com<br />
uma figura feminina 199 , que facilmente se destaca do conjunto tanto pela qualidade da<br />
escultura como pela própria forma da consola e definição da mísula e que, juntamente<br />
com alguns outros exemplares, nos permite inferir acerca da presença efectiva de<br />
artistas com qualidades técnicas desiguais.<br />
No entanto, a possibilidade de haver necessidade de apressar a conclusão da<br />
obra, perfeitamente verosímil para o caso de Santa Cruz, dada a previsível vontade de<br />
Machim em partir da cidade e responder aos apelos que lhe vinham de Tomar, não deixa<br />
de constituir um elemento a ponderar. Efectivamente, várias misericórdias denunciam<br />
uma rapidez de execução que chega mesmo às últimas consequências, apresentando<br />
esculturas praticamente inacabadas. Tendo em conta que a equipa de Machim não seria<br />
muito numerosa, sobretudo ao nível dos elementos fixos, não se afigura absolutamente<br />
provável que, ao contrário do que terá acontecido com muitos outros cadeirais da época,<br />
198 Cf. KRAUS, Henry and Dorothy, The Hidden World of Misericords, p. xiv.<br />
199 Vide Vol. II, Anexo II, Fig. 14.<br />
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