Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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Algarve e com as rendas daquele reino e do mestrado de Cristo fazer dali como<br />
fronteiro guerra aos mouros..." 404 .<br />
A séculos de uma convivência relativamente pacífica com estas minorias religiosas<br />
e culturais, sucede então um recrudescimento da atitude de desconfiança e desprezo<br />
perante as mesmas, materializada na seu repulsão e sobretudo na sua subjugação, bem<br />
patente nos exemplos evocados por Maria Manuela Braga a propósito da exacerbação<br />
destes sentimentos de animosidade potenciada pelos descobrimentos. Para o primeiro<br />
caso, apresenta o exemplo de um nobre estrangeiros que, de visita à corte portuguesa em<br />
1484, lhe vê "concedida a liberdade de escolher <strong>entre</strong> uns cinquenta [cativos mouros]<br />
que tinham acabado de chegar num barco haveria uns oito dias..." 405 . Para o segundo,<br />
recorda a exposição de um nobre judeu em plena praça de Valência, "atado com uma<br />
cadeia de ferro numa jaula" 406 , antes de ser executado.<br />
Ainda assim, a par deste tipo de situações, e quase paradoxalmente, as festas e<br />
saídas régias continuavam a animar-se com bailes de judeus e mouros, com música,<br />
trajes e lutas mouriscas. Continuavam, porque faziam parte de uma tradição<br />
praticamente instituída, pelo menos a partir do reinado de D. Afonso V, cuja corte era<br />
servida por considerável número de escravos negros – algo que impressionava os<br />
visitantes estrangeiros 407 e festejava os acontecimentos mais importantes com recurso a<br />
“copiosos argumentos exóticos” 408 , fundindo o tradicional tom fantástico do desfile<br />
medieval, onde a máscara e, portanto, a transfiguração do indivíduo adquiriam<br />
particular protagonismo, com a exibição dos novos homens selvagens, vindos de terras<br />
recém-descobertas, como as Canárias, e sobretudo dos mouros. A necessidade destes<br />
eficazes argumentos revela-se tão mais clara quanto se trata de um discurso de<br />
afirmação para o Outro e pelo Outro. Falamos, neste caso específico, das celebrações do<br />
casamento da infanta D. Leonor com o Imperador Frederico III, onde o Outro não-<br />
404 Damião de Góis, Apud cit. ALVES, Ana Maria, Iconologia do poder real no período manuelino, p. 70<br />
405 Vítor Pavão dos Santos, O Exotismo na vida portuguesa na época de D. Manuel, p. 87, Apud cit.<br />
BRAGA, Maria Manuela, Os Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p. 227.<br />
406 J. Münzer, “Viaje por España e Portugal”…, pp. 23 e 73, Apud cit. BRAGA, Maria Manuela, Os<br />
Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p. 227.<br />
407 “Entre 1465 e 1467, na visita que fez à corte de D. Afonso V, Leão de Rozmital, cunhado do Rei da<br />
Boémia, deslumbrou-se com a profusão de escravos negros que encontrara – exagerando-lhes o<br />
número.” PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p.59.<br />
408 PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p. 59.<br />
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