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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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Nesta galeria de figuras subjugadas, a prostração perante a Igreja Católica,<br />

potenciada pelas conquistas dos reis portugueses, está bem patente (ainda que de uma<br />

forma suavizada) nos atlantes de Lorete, que tanto se defendem com escudos 429 como<br />

ofertam cornucópias 430 , à maneira de Reis Magos. Alguns mouros, claramente<br />

transtornados, repuxam as próprias barbas, ao mesmo tempo que seguram nas armas<br />

que simultaneamente significam a sua índole violenta e a sua impotência perante a<br />

condição de sujeição em que se encontram. No lado do Evangelho, um destes gentios 431<br />

repousa a mão sobre o punho da sua cimitarra embainhada, que de nada lhe vale perante<br />

a presença das correntes, o mesmo acontecendo com a figura seguinte 432 que,<br />

imobilizado por pesados grilhões, segura um nodoso maço de madeira, sem apresentar o<br />

menor impulso de o brandir. <strong>Uma</strong> das mais interessantes estatuetas de todo o<br />

conjunto 433 – pelo significado do gesto, como pela excelente execução – é a que<br />

apresenta um velho mouro, facilmente identificado pelas feições, pelo turbante e pela<br />

adarga, decorada com dois crescentes, que repousa aos seus pés, que arrepanha<br />

desesperadamente as longas barbas, com a angústia e a cólera plasmadas no rosto. O<br />

gesto de arrepanhar ou puxar as barbas tem, de facto, uma longa tradição de associação<br />

a sentimentos de desespero, surgindo frequentemente em figuras de marginalia, a ponto<br />

de a historiografia artística anglo-saxónica lhe ter atribuído um género e uma<br />

designação específica: beard-pullers. As referências necessárias para a compreensão<br />

deste gesto nos atlantes do cadeiral está, no entanto, muito mais próxima e pode<br />

encontrar-se, desde logo, nas descrições das demonstrações de luto por ocasião do<br />

falecimento do infante D. Afonso, e posteriormente do próprio D. Manuel, referidas por<br />

Ana Maria Alves no seu estudo sobre a Iconologia do Poder Real no Período<br />

Manuelino. No primeiro caso, diz Garcia de Resende que na corte todos caíram num<br />

“muito triste e desaventurado pranto, dando todos em si muitas bofetadas, depenando<br />

muitas e mui honradas barbas e cabelos” 434 , sendo que no segundo é Gaspar Correia<br />

que revela como o mensageiro encarregue de dar as novas da morte de D. Manuel em<br />

território indiano “se deitou no chão esbofeteando seu rosto, depenando as barbas” 435 .<br />

429 Vide Vol. II, Anexo I, inventário dos atlantes (A4 e A35).<br />

430 Vide Vol. II, Anexo I, inventário dos atlantes (A34).<br />

431 Vide Vol. II, Anexo I, inventário dos atlantes (A14).<br />

432 Vide Vol. II, Anexo I, inventário dos atlantes (A15).<br />

433 Vide Vol. II, Anexo I, inventário dos atlantes (A17).<br />

434 ALVES, Ana Maria, Iconologia do Poder Real no Período Manuelino, p.74.<br />

435 ALVES, Ana Maria, Iconologia do Poder Real no Período Manuelino, p.75.<br />

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