14.04.2013 Views

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

testemunho a ironia que Erasmo coloca nas palavras de uma das personagens do seu<br />

“Convivium fabulosum”, dizendo “…partem qua sedemus sibi videri honestissimam.” 265<br />

É esta, porém, apenas uma visão parcial (particularmente concreta, física e<br />

escatológica) da relação <strong>entre</strong> o espaço coral, as exigências dos ofícios divinos e a<br />

marginalia dos cadeirais de coro. <strong>Uma</strong> outra visão, porventura capaz de completar a<br />

anterior a um nível mais metafórico e sobretudo mais induzido, prender-se-á com o<br />

possível aproveitamento do poder de persuasão psicológica deste tipo de imagens,<br />

aparentemente pouco edificantes, para a condução subtil dos religiosos ao estado de<br />

fervor e <strong>entre</strong>ga necessário ao bom desempenho dos Ofícios. Qualquer pessoa que<br />

passe, ainda que transversalmente, o olhar pelos vários textos bíblicos que compõem os<br />

Salmos, percebe rapidamente que <strong>entre</strong> os cânticos de louvor a Deus se encontram<br />

constantes súplicas à protecção e ao auxílio divinos, perante opressões e perigos de<br />

vária ordem. Ora, ainda que sem sair do campo da simples conjectura (cujo valor é tão-<br />

somente o da oferta de possibilidades, a manter ou a recusar, mediante compreensão<br />

mais profunda de determinada problemática), não nos parece inoportuno assumir a<br />

marginalia dos cadeirais de coro, no seu núcleo comum de imagens ligadas à sátira e à<br />

advertência, ao imaginário do pecado, do demoníaco e do profano, como uma resposta<br />

efectiva à necessidade de induzir os monges a um subliminar estado eufórico e extático,<br />

na <strong>entre</strong>ga intensa à missão dos Ofícios Divinos.<br />

Não pretendemos, obviamente, estabelecer qualquer tipo de paralelismo <strong>entre</strong> os<br />

ritos corais católicos e as práticas ritualistas de indução deliberada de estados transes<br />

frequentes, ainda hoje, em tantos sistemas religiosos. Mas não podemos, no entanto,<br />

ignorar que a experiência religiosa é, por definição, tendencialmente transcendental,<br />

porque frequentemente ritualizada. A oração, na sua fórmula de constante repetição,<br />

constitui uma forma de transcendência e de contacto com o divino pela indução de um<br />

fervor crescente e o canto, quando a ela associado, funciona precisamente como<br />

potenciador dessa mesma possibilidade de transcendência, por razões tão fundamentais<br />

quanto a acção do ritmo, da cadência e da melodia sobre o funcionamento cérebro<br />

humano. A tudo isto, bastar-nos-ia acrescentar a aceitação, por parte da própria Igreja,<br />

dos êxtases místicos como experiências de contacto directo e íntimo com o Divino, para<br />

compreendermos que a opção de dotar um cadeiral de coro com imagens indutoras de<br />

265 Desidério Erasmo, Colloquia (1524), apud cit. BOWEN, Barbara C. (ed.), One Hundred Renaissance<br />

Jokes - An Anthology, USA, 1988, p.55.<br />

117

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!