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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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A par da abordagem antropológica do Outro que, como vimos, se revela também<br />

contaminada por um fervor imperialista, criador de retrocessos no sentido do<br />

reconhecimento da diferença pela diferença, vislumbra-se também no cadeiral crúzio<br />

uma feição eminentemente bélica, eivada de referências à conquista, ao domínio e à<br />

submissão do Outro. Embora estas referências possam assumir leituras múltiplas, pois<br />

há várias formas de conquistar, dominar e submeter – e a política de D. Manuel foi<br />

suficientemente elástica para as utilizar a todas –, e embora a própria iconografia do<br />

cadeiral pareça jogar nessa ambiguidade, a aplicação do seu sentido mais literal não<br />

deve ser descurada.<br />

Neste contexto, a aproximação formal e iconográfica ao cadeiral de Toledo,<br />

pontualmente denunciada por vários autores, assume, após uma análise mais atenta, um<br />

carácter de quase identificação. Apercebemo-nos, efectivamente, que apesar de não ter<br />

havido cópia directa nem sequer uma imediata emulação na apresentação do tema<br />

fundamental da decoração do cadeiral de Toledo, a mensagem de ambos é idêntica,<br />

embora apresentada através de diferentes soluções. O sentido claramente bélico dos<br />

relevos de Toledo, tornado óbvio pelas várias representações de confronto físico directo<br />

e inclusivamente de rendição, tem em Santa Cruz um paralelo suavizado na<br />

apresentação daquilo que nos parece ser o antes e do depois desse mesmo contacto ou<br />

confronto. Desta forma, aquilo que à partida nos pode parecer insuspeito, e que<br />

procuramos tantas vezes colocar sob o signo do contacto civilizacional com o Outro, de<br />

contornos relativamente pacíficos, passa a assumir-se como declaração velada - carácter<br />

que lhe apomos hoje em dia, à distância de séculos da compreensão necessariamente<br />

mais aguda dos seus contemporâneos - dessas empresas de descoberta e conquista que,<br />

no seu conjunto, foram adquirindo um carácter epopeico, veiculado quer pela literatura,<br />

quer pelas artes visuais e, na sua génese, sempre promovido e controlado de perto pelo<br />

rei.<br />

Se a distância que separa a sumptuosidade de ambos os cadeirais é considerável,<br />

bem como - é forçoso reconhecê-lo - a sua qualidade de execução, já a força simbólica<br />

da sua decoração é dificilmente mensurável. A longa presença dos Mouros em território<br />

espanhol exacerbou ao máximo a importância crucial da tomada de Granada. Num<br />

contexto de unificação territorial e centralização de poder, sobretudo um poder<br />

declaradamente vinculado à religião católica, esta conquista representava uma espécie<br />

de retoma definitiva de uma identidade nacional que, contudo, por estar já<br />

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