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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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do “exótico oriental” se deu através do Mourisco 415 . Isto explicará, em grande parte, o<br />

reconhecimento por vezes desconfortável (porque aparentemente inusitado) da<br />

apropriação do seu vocabulário artístico num contexto perfeitamente religioso e,<br />

obviamente, cristão. E, se esta questão poderá porventura parecer marginal à análise dos<br />

atlantes do cadeiral de Santa Cruz, diremos que o é apenas na medida em que serve de<br />

suporte à compreensão de um dado fundamental: a presença do elemento gentio, mouro<br />

ou mourisco, como que queiramos chamar, na vida e na arte dos finais do século XV e<br />

inícios do século XVI é uma presença extremamente controlada e até mesmo<br />

estratégica, o que desfaz, por fim, a aparente estranheza da convivência de imagens<br />

depreciativas de mouros – mas também de judeus, negros, orientais das mais diversas<br />

proveniências e até mesmo índios – com a convocação constante da presença dos<br />

mesmos, dos seus elementos simbólicos e das suas especificidades estéticas e artísticas.<br />

Ora, por mais conscientes que estejamos das especificidades que esta relação<br />

assumiu, que não permitem nunca uma leitura unívoca e que contam sempre com<br />

exemplos excepcionais de convivência amena, admiração sincera e apropriação natural<br />

dos elementos característicos do Outro, somos forçados a admitir que existe uma regra –<br />

a da desconfiança, e da admiração e apropriação motivadas pelas estratégias de controlo<br />

- e que dela se encontra eco na peça de mobiliário litúrgico que temos vindo a estudar.<br />

As imagens do Outro privado de liberdade e submetido ao peso do jugo imperialista<br />

são precisamente, e literalmente, aquilo que encontramos no friso corrido que sobrepuja<br />

os espaldares das cadeiras baixas e coroam superiormente a estante corrida do cadeiral.<br />

Por mais que tenhamos querido ver neste conjunto de estatuetas um elemento mais ou<br />

menos metafórico, parte de uma retórica de Salvação relacionada com a descoberta e o<br />

contacto (puramente civilizacional, cultural ou etnográfico) do Outro, numa<br />

aproximação à “parada da vida”, com as suas “cambiantes do espírito”, enunciada por<br />

Maria Manuela Braga 416 , cremos agora que esta visão peca por um tom demasiado<br />

eufemístico. As sucessivas opiniões daqueles que foram observando e estudando a<br />

iconografia do cadeiral atestam a relativa indefinição do carácter das figuras<br />

representadas. António Nogueira Gonçalves enuncia-as como “figuras estranhas de<br />

415 Joaquim de Vasconcelos, “O Mosteiro da Batalha e os projectos de Restauração das Capelas”Apud<br />

cit.,PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p.74.<br />

416 BRAGA, Maria Manuela, Os Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p.225.<br />

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