Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
que propriamente de uma partilha igualitária, ou seja, o tom inusitado, inegavelmente<br />
presente em todos estes espaços, vai adquirindo menor pungência à medida que se<br />
aproxima dos espaços mais nobres, porque mais visíveis e sobretudo menos expostos ao<br />
contacto com o corpo. A lógica segue, desta forma, um carácter muito prático: as<br />
misericórdias servem de assento, os apoia-mãos sofrem o desgaste contínuo que o seu<br />
nome denuncia, os terminais dos painéis laterais são normalmente demasiado exíguos<br />
para acolher imagens religiosas e acabam por estar também sujeitos ao apoio do corpo<br />
aquando da passagem dos religiosos <strong>entre</strong> as cadeiras, para tomarem o seu lugar no<br />
coro. Não será esta uma geografia fixa e de aplicação universal, já que as opções<br />
compositivas da decoração dos cadeirais de coro variaram razoavelmente de região para<br />
região e, dentro de uma mesma região, de época para época. Trata-se tão-somente de<br />
uma proposta apoiada na possibilidade de verificação de uma regra comum a grande<br />
parte dos cadeirais europeus criados <strong>entre</strong> os séculos XIII e XVI, regra esta que,<br />
obviamente, se sujeita a (necessárias) excepções.<br />
Adiantadas estas considerações, que mais não são do que esboços das implicações da<br />
materialidade do cadeiral de coro na sua essência, que emana fundamentalmente do seu<br />
programa iconográfico e/ou decorativo, procuremos agora resumir as principais<br />
características dessa mesma materialidade, analisando o cadeiral (na sua identificação<br />
com o próprio coro) enquanto espaço vivido e organizado.<br />
Sendo a cadeira um elemento de distinção hierárquico por natureza, reservada aos<br />
mais dignos elementos da elite na sua versão completa de cadeira de espalda 6 ,<br />
facilmente se depreende que à sua óbvia necessidade no espaço do coro se juntou<br />
frequentemente a sua apetência enquanto poderoso sinal de prestígio para qualquer<br />
comunidade religiosa, sobretudo enquanto conjunto de cadeiras. Daí que não só a sua<br />
estrutura e a sua decoração, como também a hierarquia da ocupação dos vários lugares<br />
de que se compunha, se tenham complexificado. Disposto, na sua versão mais básica,<br />
que terá tido no século XI e na recuperação dos preceitos beneditinos o início da sua<br />
evolução, em duas filas de cadeiras paralelas, ocupando cada uma as duas paredes<br />
fronteiras do coro 7 – estivesse ele colocado na capela-mor, num retro-coro, no corpo da<br />
6<br />
Cf. FERRÃO, Bernardo, Mobiliário Português: a Centúria de Quinhentos, Porto, Lello & Irmão<br />
Editores, 1990, vol. 2, pp. 105-111.<br />
7<br />
Esta versão simplificada parece ser a que surge em duas das raras representações de cadeirais de coro<br />
medievais em Portugal, a primeira numa iluminura do Livro de Horas de D. Leonor e outra no de D.<br />
Fernando. Vide Volume II, Anexo II, Figs. 5 e 6.<br />
13