Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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apropriação do mundo natural e das suas possibilidades simbólicas, através da<br />
observação mas sobretudo da leitura das obras antigas, umas de carácter eminentemente<br />
descritivo e naturalista (embora não correctamente científico) como a Historia<br />
Animalium de Aristóteles (c. 350 a. C.) ou a Naturalis Historia de Plínio o Antigo (c.<br />
77-79), outras já dedicadas à leitura metafísica e moral do reino animal, como o<br />
Physiologus (obra anónima, escrita em grego no século II). Como seria de esperar, a<br />
natural apetência da cultura e do pensamento medievo para a dupla leitura do mundo,<br />
numa constante busca do significado menos aparente das coisas e da sua imanência<br />
espiritual, fez do Physiologus a fonte sistemática – logo seguido das Etymologiae de<br />
Isidoro de Sevilha (compostas já no dealbar do século VI para o século VII) – dos seus<br />
bestiários, repositórios do conhecimento dos vários animais que se sabia ou se supunha<br />
habitarem a terra, das suas características físicas e dos seus hábitos, da sua linguagem<br />
simbólica e da sua imagem. Foi precisamente o seu carácter eminentemente visual, tanto<br />
pelas vívidas iluminuras que ilustravam as descrições dos animais como pelo sugestivo<br />
dinamismo simbólico das mesmas, que fez do bestiário uma fonte de predilecção da<br />
iconografia marginal em geral.<br />
Não será, portanto, de estranhar que um dos ciclos temáticos que podemos<br />
circunscrever com maior nitidez na marginalia do cadeiral crúzio seja precisamente o do<br />
bestiário, cujas considerações acerca da natureza e das qualidades morais dos animais,<br />
tipificadas e personificadas, se tornam apontamentos recorrentes no meio lígneo dos<br />
cadeirais de coro.<br />
Naturis Bestiarium – animalia quadrupedia<br />
Para principiar a análise dos animais esculpidos no cadeiral de Santa Cruz, a<br />
partir das implicações simbólicas do bestiário e da sua frequência no vocabulário<br />
marginal, teremos em atenção um dos animais mais próximos ao quotidiano do Homem<br />
e também um dos mais repetidos na marginalia crúzia: o cão.<br />
Nas Etymologiae de Isidoro de Sevilha, o cão é definido como o mais<br />
inteligente de todos os animais 271 e assim permanece nos bestiários medievais,<br />
nomeadamente no Bestiário de Aberdeen, um dos mais famosos manuscritos do seu<br />
género conservados em território europeu, compilado no século XII e tomado<br />
271 HISPALENSIS, Isidorus, Etymologiae, Livro XII (traduzido e comentado por Jacques André), Paris,<br />
Les Belles Lettres, 1983, p.110.<br />
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