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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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ou proximidades <strong>entre</strong> o elemento descobridor e o elemento descoberto. Não será,<br />

então, de estranhar que ao longo dos séculos XV e XVI se tenham usado, por vezes<br />

quase indiscriminadamente, termos como “mouros”, “gentios” ou “negros” 402 para a<br />

designação desse Outro plural. E não será, sobretudo, de estranhar que esta visão,<br />

eventualmente pejorativa, baseada no conceito religioso como medida para o valor e a<br />

equanimidade dos povos, se encontre plasmada numa obra constantemente perpassada<br />

por um discurso de propaganda régia e retórica imperialista, como o cadeiral de Santa<br />

Cruz.<br />

Efectivamente, a visão do Outro, sobretudo do mouro, espécie de inimigo<br />

arquetípico da identidade portuguesa e cristã, adquiriu na Península Ibérica contornos de<br />

grande ambiguidade. Se o recém-unificado território espanhol estava, por contingências<br />

históricas de uma longa presença do elemento muçulmano, imbuído de influências<br />

mouriscas, que permearam durante longos séculos a sua cultura, a sua arte e até mesmo<br />

a sua língua, já Portugal, na pessoa dos seus Monarcas e respectivas cortes, parecia<br />

forçar a presença desse elemento, ainda que sob a forma de acessório decorativo e de<br />

<strong>entre</strong>tenimento, que não deixa, todavia, de revelar o interesse e o fascínio pelo exótico<br />

mourisco. Seja como for, a ambiguidade ressalta quando, perante a quantidade de<br />

referências visuais a esta cultura que encontramos na arte e na literatura da época, surge<br />

a necessidade imperativa de expurgar o espaço ibérico da presença dos seus principais<br />

agentes. No seguimento da expulsão de judeus e mouros por parte dos Reis Católicos -<br />

numa estratégia de impressionante calculismo no aproveitamento dos recursos obtidos<br />

pela confiscação dos bens dos primeiros para o financiamento da luta contra os<br />

segundos, com fim à expulsão definitiva de ambos - também D. Manuel, num dos seus<br />

habituais processos de emulação aos quais conseguia sempre conferir, apesar de tudo,<br />

um cunho pessoal e quase inédito, "determinou de fazer o mesmo" 403 obrigando os<br />

judeus a sair do país, mesmo aqueles que, alguns anos antes, D. João II recebera com<br />

tanta benevolência (inquinada, obviamente, pela promessa de proventos económicos), e<br />

empenha-se na luta contra os infiéis, pensando mesmo em se "aposentar no reino do<br />

402<br />

BARRETO, Luís Filipe. Descobrimentos e Renascimento. Formas de ser e pensar nos séculos XV e<br />

XVI., p.102.<br />

403<br />

GÓIS, Damião. Crónica do felicissimo rei dom emanuel..., Capit. xviii., fls. 13r e 13v.<br />

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