Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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O primeiro trabalho documentado de Francisco Lorete em Coimbra é, então, o da<br />
intervenção sobre o preexistente cadeiral de coro que, de acordo com os planos do<br />
reformador Frei Brás de Braga, deveria abandonar o espaço da capela-mor para ocupar<br />
local mais recatado, elevando literalmente as vozes dos cantores crúzios sobre os fiéis<br />
que circulassem pelo piso térreo e, em simultâneo, proporcionando uma separação <strong>entre</strong><br />
os corpos laicos e seculares que, a todos os títulos, se afigurava conveniente. Esta<br />
intervenção, frequentemente apontada como simples processo de desmontagem,<br />
transporte, remontagem e ampliação, foi, na verdade, mais complexa e intrusiva, não<br />
porque o prior de Santa Cruz o tivesse exigido ou porque Lorete subvertesse os ditames<br />
da encomenda mas simplesmente porque a adequação a um espaço diferente exigiu<br />
diferentes soluções, da mesma forma que a distância histórica e artística de duas<br />
décadas reclamou a aplicação de um formulário estético diverso. Desta forma, a<br />
necessidade de colagem da estrutura arquitectónica do cadeiral à estrutura<br />
arquitectónica do coro alto, com o respectivo ajustamento do número de cadeiras – que<br />
provavelmente corresponderia também ao crescimento natural da comunidade crúzia – e<br />
o trabalho escultórico daí resultante, despoletou uma autêntica reformulação da obra<br />
original, um segundo momento criativo e, portanto, a sua recriação. Talvez mesmo por<br />
isso o contrato estabelecido <strong>entre</strong> o mosteiro e o artista francês se apresente em moldes<br />
de obrigação para fazer e assentar o coro. Neste contrato, datado de 26 de Junho de<br />
1531, Lorete compromete-se a desmontar todas as cadeiras do coro e a voltar a montá-<br />
las, “cõ seu solhado de nouo em o coro de bobada que hora se fez” 233 , coro este cuja<br />
execução esteve a cargo de Diogo de Castilho. Numa clara demonstração de<br />
preocupação com a manutenção do aspecto original do cadeiral, os contratantes – Frei<br />
Brás de Braga e Vasco Fernandes Ribeiro, vedor de obras do Mosteiro – deixam<br />
explícito que Lorete terá de “refazer todas e quaesquer peças que as dytas cadeyras<br />
para estarem perfeytas como era ao tenpo que se asemtarã omde ora estaam falltarem<br />
e se ao desassemtar quebrarem as fazer de nouo ou grudar” 234 . Previa-se, obviamente,<br />
que a desmontagem pudesse ser danosa para o cadeiral, daí que se refiram situações<br />
como a falta de peças ou a sua fractura, ao mesmo tempo que se reitera a necessidade de<br />
um soalho novo. Tratados os aspectos referentes ao conjunto original, pretende-se em<br />
seguida que Lorete faça mais quatorze cadeiras, de modo a aproveitar o espaço<br />
excedente no coro novo, especificando-se o número em “oyto gramdes e sejs pequenas<br />
233 GARCIA, Prudêncio Quintino, Documentos para as biografias dos artistas de Coimbra, p. 24.<br />
234 GARCIA, Prudêncio Quintino, Documentos para as biografias dos artistas de Coimbra, p. 24.<br />
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