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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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aspecto, já que tanto a qualidade do talhe quanto a própria apresentação dos animais são<br />

idênticos, fazendo prever o trabalho de uma mesma mão, elas aproximam-se também<br />

pela sua simbologia e pela frequência com que surgem, isoladamente mas também em<br />

estreita convivência, em cadeirais de coro e manuscritos iluminados, como é o caso, por<br />

exemplo, do cadeiral holandês de Oude Kerk (Amesterdão, 1480) 310 ou do bestiário<br />

trecentista (MS. Douce 151) da Bodleian Library 311 .<br />

Numa confirmação do tom geral de advertência da marginalia do cadeiral crúzio,<br />

estes animais nocturnos não têm como objectivo funcionar como apontamentos<br />

naturalistas do mundo exterior, mas sim trazer à mente dos ocupantes das suas cadeiras<br />

alguns aspectos da sua simbologia e, portanto alguns avisos específicos. Em relação à<br />

coruja, e embora o Bestiário de Aberdeen lhe seja particularmente favorável, ao<br />

compará-la com Cristo, que ama a escuridão, metaforicamente entendida como os<br />

pecadores com os quais ele procura conviver de forma a resgatá-los da noite profunda<br />

em que se encontram 312 , a sua associação literal à escuridão nocturna remeteu-a para os<br />

domínios da ignorância, num interessante paradoxo com o que acontecia na Antiguidade<br />

greco-romana e que acontece ainda hoje. Recusando-se a encarar a luz, ela<br />

assemelhava-se aos judeus, que recusavam a iluminação da verdadeira fé – lembre-se<br />

que a Sinagoga era quase sempre representada de olhos vendados – pelo que a<br />

assimilação simbólica <strong>entre</strong> ambos foi frequente e terá mesmo ocasionalmente sofrido<br />

uma completa identificação, como num poema do século XII, referido por Francis<br />

Bond, em que se diz que Cristo foi morto por corujas, “Christus a noctuis datur<br />

supplicio” 313 .<br />

Da mesma forma, também o morcego não é completamente desconsiderado no<br />

bestiário, onde se realça até a sua exemplar qualidade de ser solidário, já que, tendo os<br />

morcegos o hábito de se pendurarem uns nos outros, como que formando um cacho de<br />

uvas, e dando-se o caso de cair o primeiro, cairiam todos 314 . Todavia, aquilo que mais se<br />

310 Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 113 e 114.<br />

311 Cf. YAPP, Brunsdon. Birds in medieval manuscripts, The British Library, London, 1981, p. 40.<br />

312 “Mystice nicticorax Christum\ significat qui noctis tenebras amat, quia non vult mortem peccatoris\<br />

sed ut convertatur et vivat.” The Aberdeen Bestiary, fl. 35v, disponível online (in<br />

http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/35v.hti)<br />

313 BOND, Francis. Wood Carvings in English Churches. I. Misericords, p. 47.<br />

314 “…sibi invicem adherent et quasi specie botrionis ex aliquo loco pendent, ac si se ultima queque laxa\<br />

verit, omnes resolvuntur, quod fit quodam munere caritatis que dif\ [A, ficile in hominibus huiusmodi<br />

reperitur.” The Aberdeen Bestiary, fl. 51v, disponível online (in<br />

http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/51v.hti)<br />

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