Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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todo o trabalho de decoração das misericórdias, apoia-mãos e mesmo esculturas<br />
terminais dos painéis laterais, cuja vernacularidade as aproxima das anteriores, tenha<br />
sido da responsabilidade dos poucos aprendizes que, com toda a probabilidade, fariam<br />
parte dessa oficina temporária. No entanto – e a própria análise do total das<br />
misericórdias testemunha neste sentido – parece claro que a grande maioria desses<br />
trabalhos foram efectivamente atribuídos a oficiais menos proficientes, sendo mesmo<br />
nalguns deles claramente atribuíveis aos referidos aprendizes, que não teriam<br />
possibilidade de iniciar a sua prática em obras oficiais a não ser nesses espaços<br />
periféricos, tradicionalmente relegados para o âmbito das imagens lúdicas ou<br />
adversativas e, por consequência, para o domínio livremente criativo do artista.<br />
Este carácter experimental do trabalho das misericórdias e apoia-mãos, espaços<br />
de treino tanto quanto de demonstração de virtuosismo, não depende, aliás, da sua<br />
atribuição exclusiva à mão de aprendizes. Mesmo após o exame que lhes permitia<br />
ascenderem à posição de oficiais, marceneiros, ensambladores e entalhadores<br />
necessitavam de exercitar continuamente as suas capacidades de talhe e escultura<br />
minuciosa, e a decoração destes elementos representava não só uma oportunidade de<br />
treino (conveniente porque remunerada) como uma oportunidade de treino sobre bom<br />
material, dado que a madeira, sobretudo a de melhor qualidade, era uma matéria-prima<br />
dispendiosa. Não surpreende, assim, que a mesma lógica de repetição de motivos por<br />
diversas mãos que parece ter presidido à criação das misericórdias do cadeiral da<br />
Unterstadtskirche, em Kleve, se encontre também em Santa Cruz, ainda que de forma<br />
distinta.<br />
A simples presença, repetidamente detectada no cadeiral renano do século XV,<br />
dos mesmos motivos repetidos por duas vezes, tratados de formas diferentes por mãos<br />
diferentes, é suficiente para se antever a presença de pelo menos dois indivíduos,<br />
<strong>entre</strong>gues a exercícios de destreza técnica e estudo anatómico que, até mesmo pela<br />
comparação das diferentes esculturas do conjunto, inevitavelmente, nos conduz à<br />
atribuição da sua autoria a aprendizes de entalhador. A imaginária deste cadeiral é sem<br />
dúvida reveladora de uma hierarquia baseada na experiência do artista e, obviamente na<br />
qualidade do trabalho. E se esta constatação é válida para a maioria dos grandes<br />
cadeirais, onde a divisão de tarefas era imperativa pela própria dimensão do trabalho,<br />
torna-se especialmente clara e palpável no exemplo de Kleve. Muito embora a<br />
qualidade das misericórdias seja, no geral, bastante boa nota-se uma enorme distância<br />
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