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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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artístico português como no flamengo 281 , cremos que as formas de que ela se reveste<br />

neste momento específico do século XVI assumem, de facto, um grande contributo da<br />

difusão da arte flamenga e das suas preferências iconográficas. Neste sentido, vemos<br />

surgir recorrentemente o motivo do cão com o osso, na sua versão simplificada ou na<br />

versão completa de dois cães que disputam o mesmo osso, como metáfora da inveja e<br />

da cobiça, tanto em conjuntos corais tão distantes quanto tão distantes quanto o de St.<br />

David de Llawhaden, anteriormente referido, como em obras de Hieronymus Bosch,<br />

Gerard David ou Hans Holbein 282 .<br />

Esta conotação com a inveja associa-se frequentemente, e inclusivamente na<br />

pintura, à vaidade e à vanglória, através da figura do cão que orgulhosamente ostenta a<br />

sua coleira de guizos. No cadeiral de Santa Cruz, ele surge literalmente acorrentado a<br />

uma misericórdia. A estranha modelação do corpo deste cão, transformado numa figura<br />

quase monstruosa dificultou durante algum tempo a sua identificação, tanto que mesmo<br />

a experiência de Elaine Block não lhe permitiu identificar senão um “monstro com<br />

coleira de guizos” 283 . Já Augusto Nunes Pereira viu nesta misericórdia o cão da fábula<br />

de Fedro, alimentado pelo homem mas eventualmente consumido pela falta de<br />

liberdade, sendo esta uma associação à fabularia que Maria Manuela Braga redirecciona<br />

para Esopo 284 De facto, o cão acorrentado repete-se no cadeiral do Funchal, com a<br />

clareza de linhas característica das suas misericórdias 285 . No entanto, apresentando-se<br />

ambos notoriamente magros, espanta-nos a sua ligação à fábula em que “o lobo<br />

encontra um cão bem composto de carnes, dando provas de bem tratado” 286 . No<br />

entanto, como referimos já, esta insistência na magreza do cão pode estar relacionada,<br />

de um ponto de vista simbólico, com o desfecho e a moral da fábula: a liberdade é mais<br />

preciosa do que qualquer conforto aparentemente gratuito. Qualquer que seja a sua<br />

fundamentação efectiva, a verdade é que o motivo acabou por ser absorvido pela<br />

iconografia da época, repetindo-se em locais absolutamente distintos e sob vários<br />

suportes, desde a decoração de cadeirais de coro – como no exemplar alemão de<br />

Blaubeuren 287 – à própria pintura, encontrando-se, uma vez mais, na Charola do<br />

Convento de Cristo em Tomar. Para além deste, também o motivo do cão hidrófobo,<br />

281<br />

PEREIRA, Paulo. A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p. 129<br />

282<br />

Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 94 a 97.<br />

283<br />

BLOCK, Elaine C., Corpus of Medieval Misericords: Iberia, Turnhout, Brepols, 2004, p.8.<br />

284<br />

BRAGA, Maria Manuela, Os Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p. 172.<br />

285<br />

Vide Vol. II, Anexo II, Fig. 98.<br />

286<br />

PEREIRA, Augusto Nunes, Do Cadeiral de Santa Cruz, p. 92.<br />

287<br />

Vide Vol. II, Anexo II, Fig. 99.<br />

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