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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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aivoso e ameaçador, constitui um dos elementos mais consistentes da marginalia do<br />

cadeiral crúzio, ladrando quase ruidosamente sobre os painéis que separam as cadeiras,<br />

ou repetindo-se sob uma miríade de formas híbridas na longa galeria de criaturas<br />

monstruosas dos apoia-mãos.<br />

Outro animal interessante, pela sua caracterização no bestiário e pela sua<br />

peculiar aparição no cadeiral, em articulação com outra imagem, ambas presentes em<br />

misericórdias, é a da cabra. A relação que aqui estabelecemos <strong>entre</strong> a escultura de uma<br />

cabra que se equilibra no espaço da misericórdia, apoiando as patas dianteiras na mísula<br />

como se quisesse chegar a qualquer coisa que fica fora do espaço restrito do assento, e<br />

representação de uma folha sinuosa, semelhante a um dente-de-leão ou outra erva<br />

silvestre 288 , justifica-se e apoia-se em numerosos paralelos, verificáveis ao nível da<br />

iconografia e da literatura. Desde Plínio, passando por Isidoro de Sevilha, até aos<br />

bestiários propriamente ditos, todos referem a associação da cabra selvagem, ou cabra<br />

montês, ao seu alimento favorito, as ervas ou arbustos 289 , que escolhia cuidadosamente,<br />

posto que era dotada de uma excelente visão. Para além disto, se por acaso fosse ferida,<br />

corria a procurar determinada erva medicinal que, apenas pelo toque, a curava. Da<br />

mesma forma, o bom pregador sabia escolher os melhores escritos e meditar sobre eles<br />

e, sempre que se encontrasse ferido pelo pecado, corria em direcção a Cristo, que<br />

igualmente o curava, livrando-o do demónio por via da confissão 290 . <strong>Uma</strong> vez mais, o<br />

tema escolhido para ornar as misericórdias do cadeiral crúzio não foi, de forma alguma,<br />

inconsequente, relacionando-se com o comportamento exemplar que se esperava por<br />

parte dos religiosos. Ainda que não possamos descartar a tradicional associação da<br />

cabra e do bode ao pecado da luxúria, não podemos também deixar de ter em<br />

consideração a grande repercussão que as ideias acima enunciadas acabaram por ter,<br />

mesmo em Portugal. No Horto do Esposo, as características naturais e as implicações<br />

morais da cabra montês são enunciadas de forma idêntica à que vemos nos bestiários:<br />

“vee muy agudamẽte e mora ẽnos muy altos motes […] E esta animalia he temerosa e<br />

nõ se sabe defender seno fugindo. E diz Aristoteles que, quando he chagada, que come<br />

hũa herva que chama dracũdea e asy tira a seeta ou dardo do corpo. E, assy como esta<br />

animalia vee muy agudamẽte, bem asy Jhesu Christo vee muy claramente os<br />

288 Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 101 e 102.<br />

289 Cf. HISPALENSIS, Isidorus, Etymologiae, Livro XII, p.48.<br />

290 The Aberdeen Bestiary, fl. 25r (disponível online: http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/14v.hti).<br />

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