Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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nos brasões que se destacam da fachada do edifício, e no seu próprio túmulo, ou ainda<br />
nos dois relicários de prata que mandou executar em 1510 72 , terão tido uma existência<br />
muito mais ostensiva tanto em quantidade quanto em variedade. A prová-lo estariam,<br />
por exemplo e caso tivessem sobrevivido, os livros de coro de grandes dimensões, que<br />
ostentavam igualmente os seus signos heráldicos e que, juntamente com o próprio<br />
cadeiral, testemunhariam um investimento seríssimo na renovação dos equipamentos<br />
corais e, por conseguinte, na potencialização da eficácia dos seus ritos.<br />
Este investimento, por sua vez, ter-se-á inserido num plano de recriação espacial e<br />
artística que, não só ultrapassava já a simples necessidade de renovação das velhas<br />
estruturas, potenciada pelo proteccionismo de D. Manuel face às pretensões externas do<br />
círculo papal, como se arvorava em projecto simbólico de consolidação das pretensões<br />
imperiais de um monarca que, apoiado na presença legitimadora dos seus antecessores,<br />
assumia simbolicamente a sua missão expansionista e evangelizadora. Conquistada e,<br />
em parte, consolidada a nacionalidade pelos dois primeiros reis que recebiam em Santa<br />
Cruz a sua última e digna morada, era agora tempo de conquistar e consolidar um<br />
império, versão expandida e múltipla dessa nacionalidade primeira, pela mão de um<br />
monarca predestinado. Esta mensagem que, segundo cremos, terá norteado os principais<br />
investimentos artísticos de D. Manuel I em Santa Cruz durante o priorado de D. Pedro<br />
Gavião, poderá lançar alguma luz sobre os planos iniciais para o espaço coral crúzio e,<br />
inclusivamente, sobre a sua articulação discursiva com os túmulos dos reis.<br />
De facto, o impulso que o levou, em 1502, a decidir o melhoramento das condições<br />
de enterramento dos primeiros monarcas portugueses não se pode entender apenas sob o<br />
signo patriótico que facilmente se lhe associa, sendo as próprias palavras de Damião de<br />
Góis elucidativas quanto à preponderância da sua presença numa “rica & sumptuosa<br />
casa” 73 . Ora, esta mesma vontade de associação da figura régia a um centro de poder<br />
religioso e, sobretudo, a um centro de prestígio não poderia ficar-se por uma<br />
intervenção tão pontual e, embora de início não devesse contemplar a reformulação<br />
intensa que veio a acontecer, não temos dúvidas de que se consubstanciou desde logo na<br />
decisão da criação de um cadeiral de coro que estivesse à altura do virtuosismo coral<br />
dos monges crúzios, da casa que ocupavam, do rei que os protegia e, também, que<br />
pudesse ombrear com o que se fazia no reino vizinho.<br />
72 DIAS, Pedro. A Arquitectura de Coimbra na transição do Gótico para a Renascença…, p. 120.<br />
73 GÓIS, Damião de, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, p. 158.<br />
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