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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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artífice.” 367 Esta situação, reveladora da condição (em teoria) sempre periclitante do<br />

criador de imagens perante a Igreja, é precisamente a que se encontra numa das<br />

misericórdias do cadeiral de Plasencia onde um entalhador – identificado por Elaine<br />

Block como sendo um auto-retrato do próprio Rodrigo Alemán 368 – se dedica aos<br />

acabamentos de uma figura feminina, provavelmente uma santa, em frente à sua oficina,<br />

enquanto um monstro demoníaco espreita da entrada de uma caverna 369 .<br />

Curiosamente, a leitura desta misericórdia por um homem da Igreja, acaba por se<br />

revelar menos punitiva para com as culpas do artista, que não é visto como o criador de<br />

um demónio que o assombra mas sim atacado por ele, que tenta “impedir ou destruir a<br />

obra de arte” 370 . Como prova da diferença de leituras (cuja cronologia aqui invertemos<br />

propositadamente), o autor do estudo Do Cadeiral de Santa Cruz conclui sem qualquer<br />

dúvida que “No caso do Cadeiral, o escultor domina o Demónio, porque triunfa na<br />

empresa que lhe confiaram. E a arma é o instrumento do seu trabalho.” 371 Esta segunda<br />

interpretação parece, sem dúvida, bastante mais apropriada num contexto de auto-<br />

retrato, como terá sido o da criação desta escultura. De facto, mais facilmente o<br />

entalhador procuraria transmitir o valor do seu trabalho, arduamente defendido das<br />

investidas destruidoras do demónio, do que quereria expor as suas faltas para com o<br />

Supremo Criador. No entanto, parece-nos que a misericórdia número 33 revela um<br />

desfecho diferente para este vitorioso artista: sobre uma mísula de talhe poligonal, um<br />

monstro absolutamente idêntico ao do “combate do artífice com o demónio” engole um<br />

homem em tudo semelhante ao da mesma escultura, que parece tentar ainda libertar a<br />

cabeça da enorme boca do monstro através do impulso das pernas. Apesar de tudo, não<br />

está fora de questão a hipótese aventada por Maria Manuela Braga atribui a esta<br />

misericórdia a função de “alusão ao pecado da sodomia figurado pela «garganta do<br />

demónio»” 372 simbolizado por um monstro de hábito monacal que, no entanto, cremos<br />

não existir. Apesar de surgirem, por vezes, noutros cadeirais, esculturas de indivíduos<br />

em interacção (negativa, obviamente) com figuras monstruosas, os paralelos<br />

formalmente mais próximos da misericórdia de Santa Cruz que encontrámos até à data<br />

provêm dos cadeirais ingleses de Carlisle e Gloucester e mostram-nos a figura passiva<br />

367<br />

BRAGA, Maria Manuela, “A Marginalia Satírica nos cadeirais do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra<br />

e Sé do Funchal”, p. 7<br />

368<br />

BLOCK, Elaine C., Corpus of Medieval Misericords: Iberia, p.122.<br />

369<br />

Vide Vol. II, Anexo II, Fig. 153.<br />

370<br />

PEREIRA, Augusto Nunes, Do Cadeiral de Santa Cruz, p.66.<br />

371<br />

PEREIRA, Augusto Nunes, Do Cadeiral de Santa Cruz, p.66.<br />

372<br />

BRAGA, Maria Manuela, Os Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p.6.<br />

151

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