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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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inevitavelmente como ponto de referência sistemática (sobretudo pela sua integridade e<br />

pela facilidade de acesso ao seu conteúdo 272 ) das presentes considerações acerca das<br />

visões de animais que os entalhadores da campanha de mestre Machim cristalizaram no<br />

cadeiral crúzio. De acordo com o texto deste bestiário, que dedica longa atenção à<br />

descrição do cão, da sua bravura e da sua extrema lealdade para com o homem, os<br />

pregadores assemelham-se-lhe na medida em que, através dos seus bons exemplos e<br />

bons conselhos, como através da confissão, purificam o coração dos homens, tal como a<br />

língua do cão purifica as suas feridas 273 .<br />

No entanto, e como prova de que nas descrições do bestiário a dualidade dos<br />

animais é regra quase absoluta, depressa se repara que o hábito do cão em consumir o<br />

seu próprio vómito “significa aqueles que, após a confissão, reincidem incautamente<br />

nos seus erros” 274 . Esta oscilação nas implicações morais dos comportamentos e<br />

características do cão é tão mais significativa quanto nos permite confirmar o tom<br />

definitivamente negativo, porque fundamentalmente adversativo, da marginalia do<br />

cadeiral crúzio. Se exemplos existem em que o cão surge num contexto bem mais<br />

condizente com a fidelidade e companheirismo que o bestiário lhe atribui, como, por<br />

exemplo, no cadeiral inglês do mosteiro de Beverley (c. 1520) 275 , noutros casos prefere-<br />

se mostrar o seu lado mais irreflectido ou mais travesso (numa misericórdia do cadeiral<br />

galês de St. David surgem dois cães a disputar um osso e no cadeiral alemão de Kleve<br />

esculpiu-se o conhecido motivo do cão com a cabeça no pote 276 ). No entanto, poucos<br />

casos há em que, como no cadeiral de Santa Cruz, se tenha procurado tão<br />

insistentemente vincar os seus defeitos e as suas associações depreciativas, através da<br />

combinação de fórmulas já cristalizadas pela iconografia dos cadeirais de coro:<br />

aparecem-nos, então, os motivos do cão com osso, do cão com a cabeça no pote, do cão<br />

272 Graças ao projecto exemplar levado a cabo pela Universidade de Aberdeen para tornar divulgar e<br />

tornar acessível esta obra felizmente conservada (Aberdeen University Library MS 24), é possível aceder<br />

a todas as imagens do manuscrito, bem como ao texto integral, transcrito e traduzido no site “The<br />

Aberdeen Bestiary Project” (http://www.abdn.ac.uk/bestiary/index.hti)<br />

273 “Cuius figuram in quibusdam rebus predica\tores habent, qui semper admonendo ac exercendo que<br />

recta sunt \insidias diaboli propellunt, ne thesaurum domini, id est animas Christia\norum rapiendo ipse<br />

auferat. Lingua canis dum lingit vul\nus curat. Quia peccorum vulnera cum in confessione nudantur,<br />

\sacerdotum corrrectione mundantur. Intestina quoque hominis curat \lingua canis, quia secreta cordis<br />

sepe mundantur opere et sermone \doctoris.” in The Aberdeen Bestiary, fl. 19v, disponível online (in<br />

http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/19v.hti)<br />

274 “Quod canis ad vomitum redeat, significat quosdam post peractam \confessionem incaute ad<br />

perpetrata facinora redire.” in The Aberdeen Bestiary, fl. 25r, disponível online (in<br />

http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/19v.hti)<br />

275 Vide Vol. II, Anexo II, Fig. 57.<br />

276 Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 90 e 91.<br />

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