Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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1.4. A <strong>Epopeia</strong> Portuguesa<br />
Referindo-se ao cadeiral de Santa Cruz de Coimbra dizia, ainda no início do<br />
século XX, Georges Radet: “En Portugal, l‟Odyssée des navigateurs prend la place de<br />
l‟Iliade des Rois catholiques figurée sur les stalles de la cathédrale de Tolède” 444 .<br />
Obsevação de uma argúcia inexcedível, ela resume, quanto a nós, a essência do<br />
programa iconográfico deste cadeiral, entendido, desde logo, na sua relação com o<br />
paralelo que lhe está mais próximo e, eventualmente, com a sua própria fonte de<br />
inspiração. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre as particularidades da epopeia<br />
portuguesa plasmada nos quadros esculpidos da cimalha, tentemos compreender os<br />
quadros históricos e culturais, artísticos e mentais que lhe conferem inteligibilidade.<br />
Partamos, então, do próprio enquadramento estético em que surge a obra em<br />
questão, abrindo um parêntesis que nos conduz de volta à questão da sua necessária<br />
inscrição num momento criativo que se forçosamente se terá de caracterizar como<br />
manuelino. Explorando a relação deste momento estético, com o momento histórico<br />
pelo qual se estende, Pedro Dias concluiu que “A sua origem [do manuelino enquanto<br />
estilo decorativo] não está nem nas influências orientais ou africanas, já contestadas,<br />
nem na consciente alusão ao mar ou à epopeia dos descobrimentos, ideia tão querida<br />
da historiografia tradicional […]. A sua origem, quanto a nós, encontra-se na evolução<br />
do gótico flamejante, que em Portugal, como em toda a Europa, continuou no séc. XVI,<br />
e nas particulares condições económicas, sociais e culturais portuguesas de então.” 445<br />
Podemos dizer que, embora concordando com as implicações gerais desta<br />
afirmação, sobretudo quando aplicadas à origem de um vocabulário decorativo que se<br />
generalizou num período e num espaço de tempo definidos, não podemos deixar de<br />
sentir aqui – e sobretudo ao tentar particularizar a questão – a necessidade de evocar a<br />
separação das noções de ornamento e decoração, necessidade já sentida por Paulo<br />
Pereira 446 para a sua exploração iconológica do manuelino, ou mesmo por Lurdes<br />
444<br />
RADET, Georges, “La Renaissance en Espagne et en Portugal”, Bulletin Hispanique, tome 14, n°2,<br />
1912, pp. 204-208.<br />
445<br />
DIAS, Pedro, A Arquitectura de Coimbra na transição do Gótico para a Renascença 1490-1540,<br />
Coimbra, 1982, p. 363.<br />
446<br />
PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p. 15. O autor toma os conceitos operativos de<br />
decoração “como programa iconográfico” e de ornamento como “escultura decorativa (acessória à<br />
estrutura material e à estrutura «narrativa»)”.<br />
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