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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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moralmente condenáveis, que funcionavam como exemplos de comportamentos a<br />

evitar, como espelho dos que se deviam seguir.<br />

Efectivamente, o carácter naturalmente elíptico do pensamento medieval<br />

predispunha-se à utilização de exempla negativos, ou seja, à ridicularização e sobretudo<br />

à inversão dos comportamentos correctos, de forma a consciencializar um público-alvo.<br />

No cadeiral crúzio este clima de glosa tão típico da linguagem da marginalia assume,<br />

no entanto, características muito particulares, articulando-se de forma muito próxima<br />

com os restantes elementos do discurso e traduzindo-se em escolhas de temas que,<br />

apesar de não se poderem incluir num programa absolutamente coeso nas suas<br />

referências, se inscrevem num contexto insistentemente moralizador vertido em<br />

momentos narrativos que dão consistência ao conjunto.<br />

O mundo representado nos primeiros níveis decorativos do cadeiral, sobretudo<br />

aqueles correspondentes às misericórdias e apoia-mãos, já que os painéis laterais<br />

adquirem, mesmo nas suas margens, um tom relativamente mais neutro, é do domínio<br />

absoluto do erro, da imperfeição, do vício, do pecado e do mal. É a ilustração perfeita<br />

dessa excessiva inclinação para a terra que a Humanidade em degeneração demonstrou<br />

logo após o pecado original e que os religiosos, na sua condição de eleitos e servos<br />

absolutos de Deus, devem evitar a todo o custo. Sentados sobre essas imagens,<br />

repousando as mãos sobre elas, oprimindo-as, desgastando-as mas, ao mesmo tempo,<br />

sendo forçados a um contacto concreto com elas, os cónegos crúzios – como tantos<br />

outros, em tantos outros cadeirais – eram levados a lutar com os seus medos, com as<br />

suas fraquezas e com as suas tentações. Esperava-se, obviamente, que saíssem<br />

vitoriosos.<br />

Efectivamente, a marginalia do cadeiral de Santa Cruz, na sua especificidade de<br />

discurso adversativo e moralizador, concretiza de forma particularmente insistente essas<br />

psicomaquias tantas vezes ilustradas em tantos cadeirais europeus – coevos, anteriores e<br />

até posteriores – acabando por assumir mesmo um tom apotropaico, de exorcismo dos<br />

medos pelo seu enfrentamento e por vezes, até, pela sua ridicularização. É neste sentido,<br />

por exemplo, que os animais assumem protagonismo em tantas situações de sátira social<br />

e de ilustração de pecados. Para o primeiro caso, encomendantes e entalhadores tinham<br />

na oralidade popular, nomeadamente nos provérbios, uma copiosa fonte; para o<br />

segundo, alimentavam-se sobretudo da prodigalidade do bestiário. Em ambos os casos,<br />

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