Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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Craveiro para a questão da decoração “ao romano” 447 . Antes de mais, porque nos parece<br />
óbvio que, se o ornamento manuelino não é, de facto, subserviente de uma imagética<br />
marinha relacionada com a Expansão, nem de influências orientais e africanas, já a sua<br />
decoração – entendida enquanto programa iconográfico complexo – revela<br />
frequentemente uma estreita relação com essa “ideia tão querida à historiografia<br />
tradicional”, a ideia de uma “epopeia dos descobrimentos”. Não terá sido por acaso,<br />
aliás, que optámos por estabelecê-la como chave comum dos elementos tantas vezes, ou<br />
tão aparentemente, dicotómicos do cadeiral de Santa Cruz. Porque, por mais que<br />
procuremos aproximar este cadeiral apenas de um espírito manuelino colocado na linha<br />
evolutiva do gótico flamejante, sem contaminações de uma visão tradicionalista do<br />
mesmo, não conseguimos, pela sua própria iconografia, afastá-lo da óbvia referência aos<br />
Descobrimentos. E, no fundo, ninguém consegue, nem pretende, sequer fazê-lo.<br />
Denunciando, de certa forma, o interesse particular da iconografia desta obra singular,<br />
autores como Pedro Dias e Paulo Pereira, reconhecem a necessidade de afastar a cultura<br />
artística manuelina de uma relação gratuita com os Descobrimentos mas, ao referir o<br />
cadeiral crúzio, aproximam-no imediatamente deste conjunto de acontecimentos que<br />
tanto marcaram a mentalidade e a cultura da época. Trata-se, de facto, de uma questão<br />
complicada e frequentemente elusiva e, se temos afirmado até aqui a proximidade do<br />
programa iconográfico do cadeiral com as referências da Expansão, queremos sublinhar,<br />
em primeiro lugar, que se trata de uma aproximação e não de uma identificação<br />
imediata e, em segundo, que o imaginário da Expansão é amplo e, portanto, passível de<br />
leituras várias, umas mais óbvias do que outras.<br />
Como Paulo Pereira soube reconhecer, “A associação liminar <strong>entre</strong><br />
«descobrimentos» e «arte manuelina» fez desta um receptáculo para a evocação em<br />
potência de influências distantes – exóticas – sempre que ficava qualquer coisa por<br />
explicar do ponto de vista de identificação das formas.” 448 Do ponto de vista da<br />
historigrafia do cadeiral de Santa Cruz, isto foi precisamente o que aconteceu com os<br />
quadros urbanos da cimalha que, ainda longe de serem identificados, descritos e<br />
interpretados, como observou António Nogueira Gonçalves, foram sistematicamente<br />
transferidos para a esfera dos Descobrimentos strictu sensu. Esta não é, de todo, uma<br />
aproximação desacertada – aliás, é uma aproximação ainda carente de investimento<br />
447 CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitectura “ao romano”, Arte Portuguesa da Pré-História ao<br />
Século XX, Vila Nova de Gaia, Fubu Editores, 2009, p. 9.<br />
448 PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei, p.51.<br />
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