Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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se obrigados a colar dois blocos mais estreitos, devidamente preparado e afeiçoados e,<br />
só depois, passar ao desbaste da madeira e ao trabalho escultórico propriamente dito. Se<br />
a resistência das consolas assim criadas é surpreendente, dada a utilização de simples<br />
aglutinantes e colas de origem natural, e não de pregos ou outro tipo de elementos de<br />
fixação, a utilização e a passagem do tempo não deixaram de surtir os seus efeitos,<br />
tornando aparentes essas marcas de ensamblagem que inicialmente seriam praticamente<br />
invisíveis. Obviamente, o método ideal para a garantia de solidez da peça, sobretudo a<br />
longo prazo, consistia no talhe do assento ou tampo completo a partir de um só bloco de<br />
madeira, e o facto de que qualquer outro procedimento poderia comprometer a<br />
durabilidade do conjunto está bem patente em algumas das misericórdias de Santa Cruz,<br />
que sofreram fracturas ou destacamentos de madeira a partir das zonas de colagem dos<br />
dois blocos e, noutros casos, acabaram por ser fixadas por meio de pregos, como se<br />
pode verificar através dos exemplos das misericórdias 8 e 21.<br />
Apesar das alterações provocadas pelo desgaste da madeira e, por outro lado,<br />
pelos sucessivos revestimentos de que ela foi alvo, denota-se uma atenção ao detalhe<br />
que nem sempre é bem conseguida. Isto é, contudo, um aspecto geral que carece de uma<br />
observação mais atenta dado que dentro desta oscilação na qualidade de execução,<br />
existem casos de óptima qualidade e outros de franca mediocridade, que não podem<br />
sequer ser explicados pela matéria-prima do cadeiral, posto que o castanho era uma<br />
madeira relativamente fácil de trabalhar, sobretudo se comparada com o famoso bordo<br />
de Flandres, de dureza muito superior. Entre os primeiros casos inscrevem-se, por<br />
exemplo, a escultura de uma senhora de roupagens largas e toucado, que parece cingir<br />
um cinto 203 , ou a cara grotesca, referência algo vaga ao homem verde que surge <strong>entre</strong><br />
ramos e folhagens, em espaços religiosos de toda a Europa 204 .<br />
Dos últimos são exemplo os casos do morcego e da coruja 205 . Esta desigualdade<br />
na qualidade escultórica das misericórdias permite-nos, até, isolar alguns núcleos<br />
principais de características comuns que, por sua vez, nos permitem vislumbrar a<br />
presença - já previsível, de resto - de mãos diferentes na elaboração destas esculturas<br />
marginais. A análise destas imagens, à partida tão simples, revela-se absolutamente<br />
complexa, sobretudo quando passa pela tentativa de isolamento das mesmas em grupos<br />
203 Vide Vol. II, Anexo I, inventário de misericórdias (M25).<br />
204 Vide Vol. II, Anexo I, inventário de misericórdias (M58).<br />
205 Vide Vol. II, Anexo I, inventário de misericórdias (M40 e M52).<br />
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