Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...
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duas primeiras opções, colocando um porco a tocar gaita-de-foles num dos painéis<br />
laterais e um javali algo estilizado numa misericórdia. O talhe de ambos os animais,<br />
bem como dos seus acompanhantes – já que a música exige sempre a companhia da<br />
dança – é tão díspar que não pensamos poder tratar-se de uma opção diferenciada do<br />
mesmo entalhador, mas sim do resultado de dois trabalhos diferentes. No relevo do<br />
painel lateral, o porco gaiteiro parece ser acompanhado por um urso – presente, aliás,<br />
nessa fonte quase inesgotável que são os Provérbios Flamengos de Brueghel que<br />
representou um homem, apoiado no seu bastão, a ver dois ursos a dançar. Sendo que<br />
“ver ursos a dançar” era sinónimo de estar faminto, ou delirante com a fome, pouco<br />
surpreende que se tenham fundido duas referências à partida antagónicas da vida do<br />
homem comum – o divertimento e o risco da escassez de alimentos – sobretudo se<br />
atendermos à frequência com que a marginalia se serve dos duplos ou múltiplos<br />
sentidos. Isoladamente, o motivo do urso que dança é também frequente, sobretudo na<br />
iluminura e pintura, por vezes em interacção com figuras humanas, cujos movimentos e<br />
comportamentos mimetiza 348 .<br />
Na misericórdia 349 , vemos uma espécie de javali, algo caricaturado, a tocar gaita-de-<br />
foles para um animal semelhante a um lobo. Estas cenas de interacção repetem-se em<br />
variantes mais ou menos elaboradas, que incluem normalmente a presença de um porco<br />
gaiteiro e de um ou vários porcos dançarinos, referências vagamente licenciosas que se<br />
confirmam mais explicitamente no famoso exemplo de Oviedo, surgindo ainda em<br />
outros cadeirais como o do Mosteiro de Beverley, da Catedral de Ripon, de Plasencia 350 ,<br />
etc.<br />
1.1.4. Apropriações Bíblicas<br />
A enigmática figura do homem adormecido da misericórdia 8 (cadeiras baixas<br />
do Evangelho), reclinado sobre uma almofada e totalmente vestido, acabou por se<br />
revelar menos enigmática na sua identificação mas nem por isso menos problemática na<br />
sua interpretação no contexto do vocabulário marginal do cadeiral. A identificação,<br />
inicialmente complexa, acabou por ser facilitada pela observação de um pequeno<br />
348 Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 136 e 137.<br />
349 Vide Vol. II, Anexo I, inventário de misericórdias (M7).<br />
350 Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 138 a 142.<br />
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