14.04.2013 Views

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

provavelmente a representação de um corvo ou um melro e seu significado no contexto<br />

do cadeiral, talvez mais do que relacionado com o ciclo do fabulário, do qual não<br />

encontramos nenhuma pista narrativa em qualquer outra misericórdia, deverá ligar-se à<br />

visão que o bestiário medieval nos lega destas aves.<br />

A sua identificação com o corvo 297 carece, antes de mais, de uma ressalva<br />

prévia, dada a natural confusão que frequentemente sobrevém a partir do confronto com<br />

este mesmo legado literário. Isto porque, se os escritos da época estabelecem já a<br />

distinção <strong>entre</strong> duas espécies particulares, o corvus cornix e o corvus corax, associando-<br />

lhes comportamentos simbólicos diferentes, esta distinção raramente é vertida para o<br />

domínio da representação artística - exceptuando-se aqui, como é óbvio, a ilustração dos<br />

próprios bestiários, que alcançou por vezes um apuramento descritivo quase naturalista.<br />

Assim, Maria Manuela Braga acentua a identificação estabelecida pela cultura<br />

popular <strong>entre</strong> o corvo (corvus corax) e o comportamento traiçoeiro, perceptível tanto no<br />

fundo proverbial português quanto no castelhano, associando ainda a sua conotação<br />

negativa ao “facto destes animais abandonarem as crias (como se diz no<br />

Phisiologus).” 298 Embora a maior parte das versões do Physiologus não contenham<br />

referências directas ao corvo (nas obras que consultámos 299 , ele surge apenas como<br />

apontamento em episódios protagonizados pela raposa), este pressuposto poderá filiar-<br />

se na ideia de que referida ave não alimenta os filhos até que lhes reconheça a cor negra<br />

das penas, alimentando-os depois abundantemente 300 , o que denota claramente a<br />

conotação negativa de um ser caprichoso e avaro, frequente símbolo do mal.<br />

Por outro lado, a tradição do bestiário diz-nos também que o corvo (corvus<br />

cornix), não só é monógamo e sempre fiel ao seu par, como protege e cuida das suas<br />

crias atentamente, servindo de exemplo para os homens no que diz respeito às<br />

responsabilidades da paternidade, sobretudo numa altura em que o aborto e o<br />

infanticídio eram uma realidade diária e uma preocupação para a Igreja. No bestiário<br />

297<br />

Vide Vol. II, Anexo II, Figs. 109 e 110.<br />

298<br />

BRAGA, Maria Manuela Correia. Os Cadeirais de Coro no Final da Idade Média em Portugal, p.<br />

212.<br />

299<br />

Cf. Physiologus: a metrical bestiary of twelve chapters by Bishop Theobald (1492), (trad. Alan Wood<br />

Rendell), London, John & Edward Bumpus, 1928; ARMISTEAD, Mary Allyson, The Middle English<br />

Physiologus: A Critical Translation and Commentary, Blacksburg, [s.n.], 2001.<br />

300<br />

Cf. ANGLICUS, Bartolomaeus. De proprietatibus rerum. Anton Koberger, 1483, Livro XII<br />

(cópia conservada na Universidade Complutense de Madrid (disponível online:<br />

http://www.archive.org/stream/deproprietatibu00anglgoog#page/n5/mode/1up)); The Aberdeen Bestiary,<br />

fl. 37r (disponível online: http://www.abdn.ac.uk/bestiary/translat/37r.hti)<br />

130

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!