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Uma Epopeia entre o Sagrado e o Profano: - Estudo Geral ...

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Estes escolhidos constituem assim um grupo particular, uma elite que se rege por<br />

regras próprias e que se afasta voluntariamente do mundo, mantendo mais ou menos<br />

presente, consoante os casos, o compromisso de abnegação e sacrifício que este<br />

afastamento implica e que tem como objectivo fundamental o serviço do outro, a<br />

intersecção junto da divindade para a salvação de uma Humanidade que perdeu o seu<br />

rumo. Foi precisamente nesta especial condição de elite que o clero desde cedo reservou<br />

para si um espaço particular dentro da própria igreja, afastado do olhar leigo e vedado à<br />

sua presença, um espaço de oração, louvor e introspecção: o espaço do coro. A<br />

limitação da concorrência a este espaço chegou a ser de tal forma intensa que ocasiões<br />

houve em que os clérigos não cumpridores dos seus votos, sobretudo do voto de<br />

castidade, foram afastados do coro e remetidos para a nave da igreja, aquando das<br />

principais celebrações e reuniões. Isto aconteceu, por exemplo, durante o Concílio de<br />

Troyes (1107) e teve como consequência imediata a determinação, ditada pelo bispo de<br />

Cantuária logo no ano seguinte, de que todos os sacerdotes, diáconos e subdiáconos que<br />

mantivessem esposas ou concubinas fossem destituídos das suas funções eclesiásticas,<br />

perdessem os seus benefícios e, significativamente, fossem afastados do coro 18 .<br />

Particularmente expressiva no contexto deste recato físico do coro que, apesar de<br />

tudo, se procurou cultivar, é a interessante analogia estabelecida <strong>entre</strong> os vários espaços<br />

que compõem o edifício religioso e as diversas partes de um corpo humano – feminino e<br />

materno – por Rudolf, abade de St. Trond que, ainda no século XI, apresentava os<br />

cadeirais de coro como os seios de uma igreja 19 . Neste sentido, as orações, cânticos e<br />

salmodias realizadas no espaço coral assumem-se como alimento místico e metafórico<br />

de uma congregação cujo crescimento espiritual acontece, precisamente, no conforto<br />

uterino da nave da igreja. Antes do serviço prestado, indirectamente, aos fiéis estava,<br />

contudo, o serviço a Deus e, se o primeiro servia de justificação prática da própria<br />

existência do clero perante a sociedade, sobretudo enquanto grupo privilegiado em<br />

relação ao povo, o segundo seria a sua justificação teórica, o seu propósito fundamental,<br />

18 HAYES, Dawn Marie, Body and Sacred Place in Medieval Europe, 1100-1389, p. 19.<br />

19 Rudolf de St. Trond compara simbolicamente o espaço da capela-mor (santuário) e cancela à cabeça e<br />

pescoço da igreja, o cadeiral de coro aos seios, o transepto a dois braços com mãos, a nave ao v<strong>entre</strong>:<br />

“Nam habebat et adhunc habere cernitur cancellum qui est sanctuarium pro capite et collo, chorum<br />

stallatum pro pectoralibus, crucem ad utraque latera ipsius chori duabus manicis seu alis protensam pró<br />

brachiis et manibus, navim vero monasterii pro utero…”. HAYES, Dawn Marie, Body and Sacred Place<br />

in Medieval Europe, 1100-1389, p. 14.<br />

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