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Capítulo Três<br />

Susanna, controle-se.<br />

Após pedir licença para arrumar apressadamente o cabelo desgrenhado e trocar seu vestido<br />

rasgado e sujo por um limpo de musselina azul com luvas combinando – e durante o processo<br />

falando mais bruscamente com Gertrude do que a pobre empregada merecia –, ela se juntou aos<br />

acompanhantes do tenente-coronel Bramwell no Salão Vermelho.<br />

Ao entrar, deu uma rápida olhada no espelho do hall. Sua aparência estava refeita, dentro do<br />

possível. Sua compostura, por outro lado, permanecia estilhaçada em mil pedaços cortantes, todos<br />

arranhando e queimando dentro dela. Alguns atingiam seu amor-próprio, outros reviravam o<br />

conhecido poço de medo que sempre era agitado quando seu pai e pólvora preta se misturavam. O<br />

restante fazia com que ela formigasse toda de constrangimento. A sensação não era agradável.<br />

E tudo aquilo era culpa dele. Aquele bombardeador de ovelhas animalesco, provocador, bemapessoado.<br />

Quem era aquele homem e o que queria com seu pai? Ela esperava que fosse apenas uma<br />

visita social, embora tivesse de admitir que Bramwell não parecia ser o tipo de homem que fazia<br />

visitas sociais.<br />

A empregada trouxe a bandeja e Susanna a orientou a colocá-la em uma mesa de jacarandá com<br />

pernas esculpidas no formato de peixes dourados com longos bigodes.<br />

“Chá, cavalheiros?”, perguntou ela, esticando as luvas ao pegar a chaleira. Servir chá era<br />

exatamente o que Susanna precisava naquele momento. Que força civilizatória tinha o chá... Ela<br />

pegaria os cubos de açúcar com pequenas pinças de prata e mexeria o leite com uma colherinha.<br />

Colherinhas eram incompatíveis com um estado de agitação sensual.<br />

A ideia a reconfortava. Isso! Ela serviria chá aos homens e talvez um belo jantar. Então eles iriam<br />

embora, e o mundo voltaria a seu equilíbrio. Pelo menos o cantinho dela.<br />

O cavalheiro que antes estava apenas meio vestido – Lorde Payne, que agora ela conhecia – havia<br />

encontrado seu casaco e sua gravata e tinha ajeitado o cabelo. Ele constituía um ornamento<br />

aristocrático adequado na casa, em meio aos armários laqueados e aos vasos verdes vitrificados.<br />

Quanto ao militar – um cabo, o que ela deduzia a partir de seus remendos –, ficou perto da janela e<br />

era o retrato vivo do constrangimento. Ele olhava desconfiado para o tapete com desenho de um<br />

dragão, como se a besta bordada pudesse atacá-lo. Se aquilo acontecesse, Susanna não tinha dúvida de<br />

que o cabo a mataria habilmente.<br />

“Aceita chá, cabo?”<br />

“Não.”<br />

Ocorreu-lhe que aquela devia ser a primeira – e única – palavra que ela ouvia de seus lábios. Era o<br />

tipo de homem que se percebia, só de olhar para ele, que tinha uma história interessante para contar.<br />

Ela também sentia, com a mesma certeza, que ele nunca a contaria. Nem sob ameaça de uma faca,<br />

quanto mais tomando chá.<br />

Ela entregou a Lorde Payne uma xícara fumegante, e ele deu um gole rápido e imprudente. Um<br />

sorriso malicioso foi endereçado a Susanna.<br />

“Chá pólvora? Muito bem, Srta. Finch. Aprecio uma moça com senso de humor.”<br />

Agora, aquele… era um devasso. Estava escrito nele; em sua roupa refinada e nos modos<br />

sedutores. Ele podia mandar bordar a palavra em seu colete, em meio aos arabescos dourados. Ela

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