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“Essas coisas acontecem.”<br />
Susanna mordeu o lábio, sabendo que ele se referia à mãe dela. Embora tivesse morrido junto com<br />
o filho natimorto havia mais de uma década, Anna Rose Finch continuava viva na memória de<br />
Susanna: linda, infalivelmente paciente e bondosa. Mas seu pai tinha dificuldades para falar dela.<br />
Para mudar de assunto, ela disse:<br />
“Devo pedir à Gertrude que lhe traga um bule de chá novo? Café ou chocolate, talvez?”<br />
“Isso, isso...”, murmurou ele, inclinando a cabeça. “O que você achar melhor.”<br />
Outra folha de papel foi parar no chão, amassada em uma bola. A culpa beliscou a nuca de<br />
Susanna. Ela o estava distraindo de seu trabalho.<br />
Susanna sabia que deveria ir embora, mas algo não a deixava sair. Ela se encostou no batente da<br />
porta e ficou observando seu pai trabalhar. Quando garota, se divertia com a forma como ele<br />
contorcia o rosto enquanto trabalhava. Se uma testa enrugada podia extrair ideias de um papel em<br />
branco, ele deveria receber um raio divino de brilhantismo…<br />
Agora!<br />
“Arrá!” Ele puxou uma nova folha de papel. Sua mão deslizava para frente e para trás, rabiscando<br />
linhas de texto e cálculos. A genialidade tinha um ritmo, Susanna havia observado, e seu pai, naquele<br />
momento, assumia essa cadência. Os ombros curvados, sustentando o mundo. Nada que ela dissesse<br />
poderia chamar sua atenção, a não ser, talvez, se gritasse “Fogo!” ou “Elefantes!”.<br />
“Sabe, pai”, ela disse, como quem não queria nada, “ele me beijou hoje. Lorde Rycliff.” Ela fez<br />
uma pausa e então, para testar o nome em seus lábios, acrescentou: “Bram”.<br />
“Hum-hum.”<br />
Pronto. Ela havia contado para alguém. Não importava que a informação tivesse passado por cima<br />
da cabeça de seu pai como um tiro de mosquete. Pelo menos ela havia falado em voz alta.<br />
“Pai?”<br />
A única resposta foi o som do lápis no papel.<br />
“Eu não fui totalmente sincera. Na verdade, Bram primeiro me beijou ontem.” Ela mordeu o lábio.<br />
“Hoje… hoje foi algo muito maior.”<br />
“Ótimo”, murmurou ele, distraído, passando a mão pelo que restava de seu cabelo. “Ótimo,<br />
ótimo.”<br />
“Não sei o que pensar dele. Ele é rude e mal-educado e quando não está me mandando embora, está<br />
me tocando em lugares onde não deveria. Não tenho medo dele, mas quando está perto de mim, eu…<br />
eu tenho um pouco de medo de mim mesma. Sinto como se eu fosse explodir.”<br />
Ela deixou passar alguns segundos. O som do lápis continuou.<br />
“Ah, papai.” Ela virou o corpo, apoiando a testa no batente. Susanna enrolou na mão a faixa do<br />
penhoar. “Não quero que o senhor fique preocupado. Não vai acontecer de novo. Não sou uma dessas<br />
garotas bobocas, volúveis, que ficam com febre quando os soldados passam. Não vou deixar que ele<br />
me beije de novo, e sou inteligente o bastante para saber que não posso deixar um homem desses<br />
chegar perto do meu coração.”<br />
“Exato”, murmurou o pai, sem parar de escrever. “Isso mesmo.”<br />
Exato. Isso mesmo.<br />
Não importava o quanto Lorde Rycliff a intrigava, atraía… beijava… ela devia mantê-lo à<br />
distância. Sua paz interior e sua reputação dependiam daquilo, e as mulheres de Spindle Cove<br />
dependiam dela.<br />
Susanna inspirou profundamente, sentindo-se aliviada e decidida.<br />
“Estou feliz por ter conversado sobre isso com o senhor, pai.”<br />
Então ela pegou a faca e o garfo na bandeja e cortou a carne assada em fatias finas. Em seguida,<br />
Susanna abriu um pãozinho e colocou a carne dentro.