A mirada do outro - Educación en valores
A mirada do outro - Educación en valores
A mirada do outro - Educación en valores
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A MIRADA DO OUTRO<br />
26<br />
ção de Portugal como unidade política e cultural indep<strong>en</strong>d<strong>en</strong>te se construiu<br />
em conflito com o resto <strong>do</strong> espaço p<strong>en</strong>insular, id<strong>en</strong>tifica<strong>do</strong> com Espanha ou<br />
com outras realidades que antecederam o Esta<strong>do</strong> espanhol, mas se filiam directam<strong>en</strong>te<br />
nas g<strong>en</strong>ealogias <strong>do</strong> seu aparecim<strong>en</strong>to e consolidação. Recorr<strong>en</strong>tem<strong>en</strong>te<br />
apres<strong>en</strong>tada como o inimigo e a ameaça à indep<strong>en</strong>dência nacional, a Espanha<br />
surge como um bloco homogéneo, sem difer<strong>en</strong>ciações no seu interior e carregada<br />
de força negativa.<br />
Esta história <strong>en</strong>sinada é uma história tradicionalista e positivista, <strong>do</strong>minada<br />
pelos factos de natureza política e militar. Esta dim<strong>en</strong>são da história reforça<br />
a forma como as relações <strong>en</strong>tre Portugal e Espanha são apres<strong>en</strong>tadas, porque<br />
a indep<strong>en</strong>dência portuguesa construiu-se por vontade de uma casa nobre se<br />
tornar indep<strong>en</strong>d<strong>en</strong>te <strong>do</strong> seu suserano leonês e fugir à influência (e partilha de<br />
b<strong>en</strong>esses) da nobreza galega – o facto de ter o apoio (e mesmo a inspiração) da<br />
nobreza local e regional de Entre-Douro e Minho não minimiza o carácter<br />
individual desse acto de vontade <strong>do</strong> primeiro rei português. Por seu la<strong>do</strong>, a história<br />
de Portugal é um percurso regularm<strong>en</strong>te pontua<strong>do</strong> de conflitos <strong>en</strong>tre as<br />
casas nobres reinantes de Portugal e Espanha, por vezes <strong>en</strong>trelaçadas com a<br />
vontade de afirmação de indep<strong>en</strong>dência e autonomia de <strong>outro</strong>s grupos sociais<br />
portugueses. Hoje já falamos de id<strong>en</strong>tidade nacional como suporte para esse<br />
desejo de indep<strong>en</strong>dência, como aliás os republicanos já sublinhavam, referin<strong>do</strong><br />
o “s<strong>en</strong>tim<strong>en</strong>to nacional”.<br />
Será curioso p<strong>en</strong>sar hoje como se des<strong>en</strong>volveram as formas de relacionam<strong>en</strong>to<br />
<strong>en</strong>tre as populações que habitavam as regiões de um e <strong>outro</strong> la<strong>do</strong> da<br />
linha da fronteira portuguesa. Na memória popular das comunidades que<br />
habitam esses espaços transfronteiriços permanecem vivas as recordações de<br />
contactos <strong>en</strong>tre portugueses e espanhóis, de manifestações culturais comuns,<br />
de casam<strong>en</strong>tos <strong>en</strong>tre as pessoas de ambas as nacionalidades e mesmo de práticas<br />
económicas seculares de contraban<strong>do</strong> <strong>en</strong>tre os <strong>do</strong>is países, que demonstram<br />
as raízes de um relacionam<strong>en</strong>to no terr<strong>en</strong>o, <strong>en</strong>tre as populações de cá e lá da<br />
fronteira, ignoradas pelos discursos oficiais.<br />
O silêncio que existe nestes manuais sobre a evolução, em vários níveis, das<br />
sociedades portuguesa e espanhola, assim como sobre outras redes de influência<br />
que se faziam s<strong>en</strong>tir, por diversos actores históricos, quer num, quer no<br />
<strong>outro</strong> destes espaços, facilitou que a narrativa histórica se c<strong>en</strong>trasse nas chamadas<br />
grandes personag<strong>en</strong>s, privilegian<strong>do</strong> os reis, rainhas e seus vali<strong>do</strong>s, assim<br />
como os trata<strong>do</strong>s e as grande batalhas, em suma, os conflitos (e acor<strong>do</strong>s) mais<br />
visíveis <strong>en</strong>tre os <strong>do</strong>is países, ao gosto bem positivista e factual. Este silêncio<br />
(que é também ainda uma incapacidade de análise para a ciência histórica, na<br />
época) explica a ausência <strong>do</strong> conceito de diversidade relativam<strong>en</strong>te ao espaço