Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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tanto gostavam. Nem os escudos nem as lanças me assustaram, mas algo na<br />
sua aparência selvagem, esfarrapada e nas cabeleiras longas fez com que o<br />
meu corpo fosse subitamente percorrido por um calafrio. Ou, então, talvez<br />
este calafrio tivesse sido provocado pela saraiva que começara a trespassar<br />
o vento oeste, agitando a superfície cinzenta do mar.<br />
Os andrajosos cavaleiros negros observavam-nos enquanto os nossos<br />
barcos atracavam em Ynys Mon. Os barqueiros ajudaram-nos a içar Merlim<br />
e os póneis e a <strong>de</strong>pô-los na margem, em segurança, e <strong>de</strong>pois tornaram<br />
a fazer-se ao mar.<br />
— Não <strong>de</strong>veríamos ter <strong>de</strong>ixado fi car os barcos aqui? — perguntou-me<br />
Galaad.<br />
— Como? — perguntei. — Teríamos <strong>de</strong> dividir os homens e colocar<br />
alguns a guardar os barcos e <strong>de</strong>stacar outros para acompanhar Ceinwyn e<br />
Nimue.<br />
— Então, como é que saímos da ilha? — perguntou Galaad.<br />
— Com o Cal<strong>de</strong>irão — adotei a confi ança <strong>de</strong> Nimue, — tudo é possível.<br />
Não tinha outra resposta para lhe dar e não me atrevia a contar-lhe a<br />
verda<strong>de</strong>. A verda<strong>de</strong> é que me sentia con<strong>de</strong>nado. Era como se, até naquele<br />
momento, todas as maldições dos druidas antigos nos <strong>de</strong>ixassem a alma<br />
gelada.<br />
Deixámos a praia e rumámos para norte. As gaivotas gritavam na nossa<br />
direção, revoluteando à nossa volta no meio da saraiva, que caía misturada<br />
com chuva à medida que escalávamos as rochas em direção a uma<br />
charneca batida pelo vento, pontuada aqui e ali por um ou outro afl oramento<br />
rochoso. Nos velhos tempos, antes <strong>de</strong> os Romanos terem <strong>de</strong>struído<br />
Ynys Mon, aquelas terras tinham sido <strong>de</strong>nsamente povoadas por carvalhos<br />
sagrados, à sombra dos quais eram executados os gran<strong>de</strong>s mistérios da Bretanha.<br />
As novas saídas <strong>de</strong>sses rituais governavam as estações na Bretanha,<br />
Irlanda e até na Gália, pois fora aí que os Deuses tinham <strong>de</strong>scido à terra<br />
e fora aí que se estabelecera o mais forte dos laços que unira os homens<br />
aos Deuses, antes que o mesmo fosse quebrado pelas espadas curtas dos<br />
Romanos. Estávamos em solo sagrado, e penoso também, já que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
uma escassa hora <strong>de</strong> marcha, chegámos a um vasto paul que parecia barrar<br />
o caminho que nos conduziria ao interior da ilha. Percorremos a linha<br />
fronteiriça do paul, procurando um trilho, mas não havia nenhum. Deste<br />
modo, quando a luminosida<strong>de</strong> começou a <strong>de</strong>fi nhar, usámos as hastes das<br />
lanças para <strong>de</strong>scortinar a passagem mais fi rme por entre as ervas altas e<br />
pontiagudas e as <strong>de</strong>voradoras e traiçoeiras manchas pantanosas. Tínhamos<br />
as pernas encharcadas <strong>de</strong> lama gelada e a saraiva conseguia infi ltrar-se na<br />
nossa pele. Um dos póneis fi cou preso e o outro entrou em pânico, for-<br />
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