Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
uma alavanca, a fi m <strong>de</strong> afastar o animal ferido <strong>de</strong> cima do meu senhor. A<br />
criatura pesava mais do que dois sacos cheios <strong>de</strong> sementes, e a sua musculatura<br />
fazia lembrar cordas <strong>de</strong> ferro torcendo a minha lança. Segurei-a com<br />
fi rmeza e <strong>de</strong>i um puxão. Nesse momento, porém, a porca investiu e fez-me<br />
per<strong>de</strong>r o equilíbrio. Caí e o meu peso pressionou a haste da lança para baixo<br />
fazendo com que o javali se encavalitasse <strong>de</strong> novo sobre a barriga <strong>de</strong> Artur.<br />
Sem que se soubesse como, Artur conseguira agarrar os dois <strong>de</strong>ntes do<br />
animal e, apelando a todas as suas forças, empurrava agora a cabeça para<br />
longe do seu peito. A porca <strong>de</strong>sapareceu, precipitando-se colina abaixo na<br />
direção do riacho.<br />
— Mata-o! — gritou Artur, embora ainda conseguisse esboçar um<br />
meio sorriso. Estava a escassos centímetros da morte, mas estava a adorar o<br />
momento. — Mata-o! — repetiu. As patas traseiras do javali agitavam-se e<br />
a sua saliva salpicava o rosto <strong>de</strong> Artur, cujas roupas estavam ensopadas no<br />
sangue do animal.<br />
Eu estava <strong>de</strong>itado <strong>de</strong> costas, o rosto dilacerado pelos espinhos. Pus-me<br />
<strong>de</strong> pé atabalhoadamente e tentei alcançar a minha lança que se contorcia<br />
e agitava ainda enterrada na barriga daquele enorme brutamontes. Nesse<br />
momento, porém, Bors espetou uma faca no pescoço do javali e eu vi quando<br />
a imensa força do animal começou a diminuir enquanto Artur conseguia<br />
forçar a cabeça compacta, malcheirosa e ensanguentada a afastar-se<br />
das suas costelas. Agarrei na minha lança e torci a lâmina, procurando o<br />
sangue vital do animal escondido bem no fundo das suas entranhas enquanto<br />
Bors o esfaqueava uma segunda vez. De súbito, o javali urinou para<br />
cima <strong>de</strong> Artur, <strong>de</strong>sferiu um último golpe <strong>de</strong>sesperado com o seu pescoço<br />
enorme e, <strong>de</strong>pois, sucumbiu abruptamente. Artur estava empapado no<br />
sangue e urina do animal, soterrado como estava <strong>de</strong>baixo do seu corpo.<br />
Cautelosamente, soltou os <strong>de</strong>ntes do javali e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sfez-se numa<br />
gargalhada <strong>de</strong>scontrolada. Bors e eu agarrámos em cada um dos <strong>de</strong>ntes e,<br />
com um impulso concertado, levantámos o corpo e afastámo-lo <strong>de</strong> cima<br />
<strong>de</strong> Artur. Um dos <strong>de</strong>ntes fi cou preso no colete <strong>de</strong> Artur, rasgando o tecido<br />
no momento em que o retirávamos. Pousámos o animal sobre o matagal e<br />
ajudámos Artur a levantar-se. Ficámos os três <strong>de</strong> pé a sorrir, com as roupas<br />
enlameadas, rasgadas e cobertas <strong>de</strong> folhas, raízes e do sangue do javali.<br />
— Vou fi car com uma nódoa negra aqui — disse Artur dando uma<br />
palmada no peito. Virou-se para Lancelote, que permanecera imóvel durante<br />
a refrega.<br />
Após uma brevíssima pausa, Artur inclinou a cabeça.<br />
— Agraciastes-me com uma nobre oferenda, meu Rei — disse ele, —<br />
e eu aceitei-a da forma mais ignóbil. — Limpou os olhos. — Mas apesar <strong>de</strong><br />
tudo, gostei. E havemos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutá-lo na tua festa <strong>de</strong> noivado. — Olhou<br />
61