Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
tu estarás comigo. — E recusou-se a dar ouvidos a outros argumentos. Não<br />
era mulher para se vergar à autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um homem. A sua <strong>de</strong>cisão estava<br />
tomada.<br />
Depois, é claro, conversámos sobre os acontecimentos dos últimos<br />
dias e as nossas palavras jorraram <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas. Estávamos apaixonados,<br />
tão enfeitiçados um pelo outro como Artur por Guinevere e não nos cansávamos<br />
<strong>de</strong> querer conhecer os pensamentos e as histórias <strong>de</strong> ambos. Mostrei-lhe<br />
o osso <strong>de</strong> porco e ela riu quando lhe disse que esperara até ao último<br />
momento antes <strong>de</strong> o partir em dois.<br />
— Na verda<strong>de</strong>, não sabia se ousaria virar costas a Lancelote — admitiu<br />
Ceinwyn. — Desconhecia tudo sobre o osso, claro. Pensei que tivesse sido<br />
Guinevere quem me tinha forçado a tomar uma <strong>de</strong>cisão.<br />
— Guinevere? — perguntei, surpreendido.<br />
— Não consegui suportar o seu regozijo. Será que isso faz <strong>de</strong> mim<br />
uma pessoa horrível? Senti-me como se fosse o seu gatinho <strong>de</strong> estimação e<br />
não consegui suportá-lo. — Caminhou em silêncio durante algum tempo.<br />
Folhas caíam das árvores, a maioria das quais estavam ainda ver<strong>de</strong>s. Nessa<br />
manhã, ao acordar na primeira madrugada que passei em Cwm Isaf, vira<br />
uma andorinha levantar voo do telhado. Não voltou e calculei que até à<br />
primavera não tornaríamos a ver mais nenhuma. Ceinwyn caminhava <strong>de</strong>scalça<br />
ao longo da margem do ribeiro, a sua mão na minha.<br />
— E tenho andado a pensar naquela profecia do leito <strong>de</strong> caveiras —<br />
continuou. — Acho que signifi ca que não <strong>de</strong>vo casar-me. Estive noiva por<br />
três vezes, Derfel, três vezes! E por três vezes perdi o meu prometido. Se isso<br />
não é uma mensagem dos Deuses, o que é então?<br />
— Oiço Nimue — disse eu.<br />
Ela riu.<br />
— Gosto <strong>de</strong>la.<br />
— Nunca po<strong>de</strong>ria imaginar que vocês gostassem uma da outra —<br />
confessei.<br />
— E porque não haveríamos <strong>de</strong> gostar? Gosto do seu caráter beligerante.<br />
Temos <strong>de</strong> agarrar a vida com as nossas próprias mãos, não submeter-nos<br />
a ela. Durante toda a minha vida, Derfel, fi z aquilo que as pessoas<br />
me diziam para fazer. Sempre fui muito bem-comportada — disse, dando<br />
à expressão «bem-comportada» uma infl exão irónica. — Sempre fui aquela<br />
rapariguinha obediente, a fi lha respeitadora. Era fácil, claro, pois o meu pai<br />
gostava <strong>de</strong> mim e ele gostava <strong>de</strong> muito poucas pessoas, mas <strong>de</strong>ram-me tudo<br />
o que sempre quis e, em troca, tudo o que queriam <strong>de</strong> mim era que eu fosse<br />
bonita e obediente. E eu era muito obediente.<br />
— Bonita, também.<br />
Enterrou um cotovelo nas minhas costelas, num gesto <strong>de</strong> reprovação.<br />
81