Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— E porque não o fazemos? — perguntei.<br />
— Porque prometi a Silúria a Lancelote — disse ele, numa voz que não<br />
admitia oposição.<br />
Eu nada disse, limitando-me a tocar o punho <strong>de</strong> Hywelbane, para que<br />
o ferro protegesse a minha alma das coisas <strong>de</strong>moníacas daquela noite. Olhei<br />
para sul, na direção do local on<strong>de</strong> os mortos jaziam mansamente e, como o<br />
curso <strong>de</strong> um regato, junto à sebe <strong>de</strong> árvores on<strong>de</strong> os meus homens tinham<br />
combatido o inimigo durante aquele longo dia.<br />
Muitos homens valentes tinham participado naquele combate. Lancelote,<br />
no entanto, não o fi zera. Ao longo <strong>de</strong> todos estes anos que tenho<br />
combatido por Artur e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conheço Lancelote, nunca o vi combater<br />
no escudo <strong>de</strong>fensivo. Vira-o perseguir fugitivos <strong>de</strong>rrotados, ou fazer prisioneiros<br />
e exibi-los perante multidões excitadas, mas nunca me fora dado<br />
vê-lo sofrer os efeitos da pressão terrível, abrasadora e clangorosa da luta árdua<br />
no perímetro <strong>de</strong> um escudo <strong>de</strong>fensivo. Ele era o rei exilado <strong>de</strong> Benoic,<br />
<strong>de</strong>stronado pela horda <strong>de</strong> francos que tinham irrompido da Gália <strong>de</strong>cididos<br />
a apagar da memória dos homens o reino <strong>de</strong> seu pai, e nem uma vez,<br />
tanto quanto me era dado saber, brandira uma lança contra um grupo <strong>de</strong><br />
guerreiros francos, apesar <strong>de</strong> a sua bravura ser cantada por todos os bardos<br />
<strong>de</strong> norte a sul da Bretanha. Ele era Lancelote, o rei sem terra, o herói <strong>de</strong> cem<br />
combates, a espada dos Bretões, o formoso senhor da <strong>de</strong>sventura, o mo<strong>de</strong>lo<br />
da perfeição, e toda a sua reputação fora construída ao som <strong>de</strong> melodias e<br />
não, pelo que eu sabia, com uma espada. Eu era seu inimigo, e ele meu, mas<br />
ambos éramos amigos <strong>de</strong> Artur e essa amiza<strong>de</strong> impunha tréguas pouco<br />
cómodas à nossa inimiza<strong>de</strong>.<br />
Artur conhecia a minha hostilida<strong>de</strong>. Tocou-me no cotovelo fazendo<br />
sinal para que ambos caminhássemos para sul, na direção do tapete <strong>de</strong><br />
mortos.<br />
— Lancelote é amigo <strong>de</strong> Dumnónia — insistiu ele — e se for ele a<br />
governar a Silúria, não teremos nada a temer. Além disso, se Lancelote <strong>de</strong>sposar<br />
Ceinwyn, contará também com o apoio <strong>de</strong> Powys.<br />
Pronto, estava dito, e agora a minha hostilida<strong>de</strong> misturava-se com um<br />
sentimento <strong>de</strong> raiva. Todavia, nada disse contra os planos <strong>de</strong> Artur. Que<br />
po<strong>de</strong>ria eu dizer? Era fi lho <strong>de</strong> um escravo saxão, um jovem guerreiro com<br />
um bando <strong>de</strong> homens mas sem terra, e Ceinwyn era uma princesa <strong>de</strong> Powys.<br />
Chamavam-na Seren, a estrela, e ela cintilava numa terra sem interesse<br />
como uma centelha <strong>de</strong> Sol caída na lama. Estivera noiva <strong>de</strong> Artur, mas per<strong>de</strong>ra-o<br />
para Guinevere, e essa perda <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ara a guerra que neste momento<br />
chegava ao fi m com o massacre do Vale do Lugg. Agora, em nome<br />
da paz, Ceinwyn <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>sposar Lancelote, o meu inimigo, enquanto eu,<br />
que valia pouco mais que nada, estava apaixonado por ela. Usava o prega-<br />
27