Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Merlim me observava do canto mais afastado da pedra real. Nimue, sua<br />
amante e sacerdotisa, estava a seu lado, o corpo magro envolto numa ampla<br />
túnica negra, o cabelo preto preso por uma fi ta e o olho dourado a brilhar à<br />
luz da Lua. O olho daquela órbita tinha sido alvo da cobiça <strong>de</strong> Gundleus, e<br />
por isso ele fora obrigado a pagar um preço mil vezes superior.<br />
Nenhum <strong>de</strong>les falou, apenas me observavam enquanto eu cuspia o<br />
último vómito, limpava os lábios, abanava a cabeça e tentava pôr-me <strong>de</strong> pé.<br />
O meu corpo ainda estava fraco, ou então era a cabeça que continuava a<br />
andar à roda, pois não conseguia levantar-me. Em vez disso, ajoelhei-me ao<br />
lado da pedra e apoiei-me nos cotovelos. Breves espasmos ainda me provocavam<br />
convulsões <strong>de</strong> tempos a tempos.<br />
— O que me obrigastes a beber? — perguntei, tornando a colocar a<br />
taça prateada sobre a pedra.<br />
— Não te obriguei a beber nada — respon<strong>de</strong>u Merlim. — Bebeste por<br />
tua livre e espontânea vonta<strong>de</strong>, Derfel, do mesmo modo que vieste até aqui<br />
por tua livre e espontânea vonta<strong>de</strong>. — A sua voz, tão maliciosa no castelo<br />
<strong>de</strong> Cuneglas, soava agora fria e distante. — Que viste tu?<br />
— A Estrada Sombria — respondi, obediente.<br />
— Ali está ela — disse Merlim apontando para norte, na noite escura.<br />
— E o vampiro? — perguntei.<br />
— É Diwrnach — respon<strong>de</strong>u ele.<br />
Fechei os olhos, pois agora sabia o que ele queria.<br />
— E a ilha — disse, abrindo <strong>de</strong> novo os olhos — é Ynys Mon?<br />
— Sim — disse Merlim. — A Ilha Abençoada.<br />
Antes da chegada dos Romanos e antes mesmo que alguém sonhasse<br />
com a existência dos Saxões, a Bretanha era governada pelos Deuses, que<br />
comunicavam connosco <strong>de</strong> Ynys Mon. A ilha, porém, fora saqueada pelos<br />
Romanos, que tinham abatido os carvalhos, <strong>de</strong>struído os seus bosques sagrados<br />
e massacrado os seus guardiões, os druidas. O Ano Negro ocorrera<br />
mais <strong>de</strong> quatrocentos anos antes <strong>de</strong>sta noite, mas Ynys Mon era ainda território<br />
sagrado para os poucos druidas que, tal como Merlim, tentavam fazer<br />
com que os Deuses regressassem à Bretanha. Agora, porém, a Ilha Abençoada<br />
fazia parte do reino <strong>de</strong> Lleyn, e Lleyn era governada por Diwrnach,<br />
o mais terrível <strong>de</strong> todos os reis irlan<strong>de</strong>ses, que atravessara o mar da Irlanda<br />
para invadir e dominar a Bretanha. Dizia-se que Diwrnach pintava os seus<br />
escudos com sangue humano. Não havia em toda a Bretanha rei mais cruel<br />
ou mais temido e apenas as montanhas que o cercavam e a pequenez do seu<br />
exército o impediam <strong>de</strong> espalhar o seu reino <strong>de</strong> terror para sul através <strong>de</strong><br />
Gwynned. Diwrnach era uma besta que não podia ser morta; uma criatura<br />
que permanecia à espreita nos recantos obscuros da Bretanha e, mediante<br />
um acordo comum, ninguém o provocava.<br />
49