Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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— Pareces infeliz, Derfel — provocou-me Merlim.<br />
Não cedi à sua provocação.<br />
— E vós, senhor? — perguntei eu. — Estais feliz?<br />
— E isso preocupa-te? — perguntou ele, alegremente.<br />
— Amo-vos, senhor, como um pai — disse eu.<br />
Soltou um assobio ao ouvir as minhas palavras e quase se engasgou<br />
com uma lasca <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> porco, mas ainda ria quando recobrou o fôlego.<br />
— Como um pai! Oh, Derfel, que criatura absurdamente emotiva me<br />
saíste. A única razão que me levou a criar-te foi por pensar que os Deuses<br />
te consi<strong>de</strong>ravam especial, e talvez sejas. Os Deuses, por vezes, escolhem as<br />
criaturas mais estranhas para amar. Diz lá, então, fi lho putativo, o teu amor<br />
fi lial inclui o serviço?<br />
— Que serviço, senhor? — perguntei eu, embora soubesse muito bem<br />
o que ele queria. Queria lanceiros que partissem com ele em busca do Cal<strong>de</strong>irão.<br />
Baixou a voz e aproximou-se ainda mais <strong>de</strong> mim, ainda que eu duvidasse<br />
que algum dos convivas presentes naquele salão ruidoso e embriagado<br />
pu<strong>de</strong>sse ouvir a nossa conversa.<br />
— A Bretanha — disse ele — sofre <strong>de</strong> dois males, mas Artur e Cuneglas<br />
apenas reconhecem um <strong>de</strong>les.<br />
— Os Saxões.<br />
Ele assentiu.<br />
— No entanto, a Bretanha sem Saxões continuará doente, Derfel, pois<br />
corremos o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r os Deuses. O Cristianismo está a espalhar-se<br />
mais <strong>de</strong>pressa do que os Saxões, e os Cristãos constituem uma ofensa maior<br />
para os nossos Deuses do que qualquer saxão. Se não contivermos os Cristãos,<br />
os Deuses abandonar-nos-ão por completo, e o que é a Bretanha sem<br />
os seus Deuses? Todavia, se protegermos os Deuses e restaurarmos a sua<br />
legitimida<strong>de</strong> na Bretanha, tanto os Saxões como os Cristãos <strong>de</strong>saparecerão.<br />
Estamos a atacar a doença errada, Derfel.<br />
Olhei para Artur que escutava atentamente algo que Cuneglas dizia.<br />
Artur não era um homem <strong>de</strong>scrente, mas lidava com as suas crenças <strong>de</strong><br />
forma pouco séria e na sua alma não havia lugar para ódio em relação aos<br />
homens e mulheres que acreditavam noutros Deuses. Mas eu sabia que Artur<br />
<strong>de</strong>testaria ouvir Merlim falar da luta contra os Cristãos.<br />
— E ninguém vos dá ouvidos, senhor? — perguntei a Merlim.<br />
— Alguns sim — respon<strong>de</strong>u, ressentido. — Poucos, um ou dois. Artur,<br />
não. Pensa que sou um velho idiota à beira da senilida<strong>de</strong>. E tu, Derfel?<br />
Também achas que sou um velho tolo?<br />
— Não, senhor.<br />
— E acreditas na magia, Derfel?<br />
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