Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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<strong>de</strong> fazer, mas tal não aconteceu. Talvez <strong>de</strong>vesse ter sacrifi cado um pássaro<br />
ou um animal antes <strong>de</strong> ter adormecido, uma oferenda que pu<strong>de</strong>sse ter<br />
incitado uma divinda<strong>de</strong> a conce<strong>de</strong>r-me a resposta que eu procurava. Nenhuma<br />
resposta, porém, veio em meu auxílio. Apenas o silêncio. Colocara<br />
a minha espada e o po<strong>de</strong>r do osso nas mãos dos Deuses, à guarda <strong>de</strong> Bel e<br />
Manawydan, <strong>de</strong> Taranis e Lleullaw, mas eles ignoraram as minhas oferendas.<br />
Ouvia-se apenas o sussurro do vento entre a folhagem alta, o arranhar<br />
das patas dos esquilos nos ramos dos carvalhos e a súbita algazarra <strong>de</strong> um<br />
pica-pau.<br />
Deixei-me fi car <strong>de</strong>itado, imóvel, quando acor<strong>de</strong>i. Não tivera qualquer<br />
sonho, mas sabia o que queria. Queria pegar no osso e parti-lo em dois, e<br />
se semelhante gesto implicasse percorrer a Estrada Sombria e penetrar no<br />
reino <strong>de</strong> Diwrnach, paciência. No entanto, queria também que a Bretanha<br />
<strong>de</strong> Artur fosse una, boa e verda<strong>de</strong>ira. E queria que os meus homens tivessem<br />
ouro, terras, escravos e títulos. Queria expulsar os Saxões <strong>de</strong> Lloegyr.<br />
Queria ouvir o alarido que se libertava <strong>de</strong> um escudo <strong>de</strong>fensivo <strong>de</strong>sfeito e o<br />
estridor das trombetas <strong>de</strong> guerra à medida que um exército vitorioso perseguia<br />
e levava o seu inimigo à ruína. Queria marchar com os meus escudos<br />
estrelados na direção das planícies a leste que nenhum bretão livre via há<br />
uma geração. E queria Ceinwyn.<br />
Sentei-me. Issa viera sentar-se ao meu lado. Deve ter perguntado a<br />
si próprio por que razão eu olhava tão fi xamente para o osso, mas não fez<br />
quaisquer perguntas.<br />
Pensei na pequena e atarracada torre <strong>de</strong> ossos <strong>de</strong> Merlim que representava<br />
o sonho <strong>de</strong> Artur e perguntei a mim próprio se aquele sonho se<br />
<strong>de</strong>smoronaria <strong>de</strong> facto, caso Lancelote não <strong>de</strong>sposasse Ceinwyn. O casamento<br />
difi cilmente podia ser consi<strong>de</strong>rado como o elo que mantinha intacta<br />
a aliança <strong>de</strong> Artur; era apenas uma conveniência <strong>de</strong>stinada a atribuir um<br />
trono a Lancelote e garantir a Powys um aliado no interior da casa real da<br />
Silúria. Se o casamento nunca viesse a realizar-se, os exércitos <strong>de</strong> Dumnónia,<br />
Gwent, Powys e Elmet não <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> marchar contra os Sais. Tudo<br />
isso eu sabia, tudo isso era verda<strong>de</strong>. No entanto, também pressentia que o<br />
osso podia <strong>de</strong> alguma forma abalar o sonho <strong>de</strong> Artur. No momento em que<br />
partisse o osso em dois, estaria a jurar fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> Merlim,<br />
uma <strong>de</strong>manda que prometia instalar a inimiza<strong>de</strong> em Dumnónia; a inimiza<strong>de</strong><br />
dos antigos pagãos que tanto odiavam a recente religião cristã.<br />
— Guinevere — proferi subitamente o nome em voz alta.<br />
— Senhor? — perguntou Issa, perplexo.<br />
Abanei a cabeça para mostrar que não tinha mais nada a dizer. Na<br />
verda<strong>de</strong>, não era minha intenção pronunciar o nome <strong>de</strong> Guinevere em<br />
voz alta. De súbito, porém, compreen<strong>de</strong>ra que o gesto <strong>de</strong> partir o osso faria<br />
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