Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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começaram a uivar subitamente ao mesmo tempo que um grupo <strong>de</strong> lanceiros<br />
corria apressadamente colina acima, pronto a arremessar as suas armas<br />
contra mim.<br />
— Agora — gritou Merlim à medida que as lanças caíam aos meus<br />
pés, — dá-lhe po<strong>de</strong>r, Derfel, dá-lhe po<strong>de</strong>r!<br />
Concentrei-me no bastão, mas a verda<strong>de</strong> é que não senti nada, embora<br />
Merlim parecesse satisfeito com o meu esforço.<br />
— Agora baixa-o — disse ele, — e <strong>de</strong>scansa um pouco. Temos uma<br />
caminhada razoável pela frente, <strong>de</strong> manhã. Temos mais queijo? Era capaz<br />
<strong>de</strong> comer um saco cheio!<br />
Ficámos <strong>de</strong>itados ao frio. Merlim recusava-se a falar sobre o Cal<strong>de</strong>irão,<br />
ou sobre a sua doença, mas eu sentia a mudança <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> espírito que<br />
se verifi cara em todos nós. Sentíamo-nos <strong>de</strong> súbito esperançosos. Íamos<br />
viver, e Ceinwyn foi a primeira a entrever o caminho da nossa salvação.<br />
Beliscou-me e <strong>de</strong>pois apontou para a Lua. Nesse momento vi que aquilo<br />
que fora uma forma <strong>de</strong> contornos precisos e nítidos aparecia agora toldada<br />
por um véu <strong>de</strong> neblina cintilante. Os pontos minúsculos cintilavam com tal<br />
intensida<strong>de</strong> em redor da Lua cheia e prateada que este colar nebuloso fazia<br />
lembrar um anel <strong>de</strong> gemas pulverizadas.<br />
Merlim não prestava qualquer atenção à Lua e continuava a falar sobre<br />
queijos.<br />
— Havia uma mulher em Dun Seilo que fazia um queijo mole fabuloso<br />
— disse-nos. — Embrulhava-o em folhas <strong>de</strong> urtiga, se bem me lembro,<br />
<strong>de</strong>pois fazia questão que ele passasse seis meses em repouso numa selha<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que tinha estado em infusão em urina <strong>de</strong> carneiro. Urina <strong>de</strong><br />
carneiro! Há pessoas que possuem as superstições mais absurdas, mas seja<br />
como for, ela fazia um queijo muito bom. — Soltou um riso abafado. —<br />
Obrigava o pobre do marido a recolher a urina. E como é que ele o fazia?<br />
Nunca gostei <strong>de</strong> perguntar. Agarrando-o pelos cornos e fazendo-lhe cócegas,<br />
perguntarão vocês? Ou talvez usasse a sua própria urina sem nunca lhe<br />
dizer nada. Era o que eu teria feito. Está a fi car mais quente, não acham?<br />
A neblina gelada e brilhante que ro<strong>de</strong>ava a Lua dissipara-se, mas esse<br />
facto não tornara os contornos da Lua mais apagados. Pelo contrário, eram<br />
agora toldados por uma neblina mais translúcida, empurrada com suavida<strong>de</strong><br />
por um vento ligeiro que soprava <strong>de</strong> oeste e que era, <strong>de</strong> facto, mais<br />
quente. As estrelas cintilantes apareciam turvas, o gelo <strong>de</strong> cristal que cobria<br />
as rochas dissolvia-se num esplendor húmido e todos nós tínhamos parado<br />
<strong>de</strong> tremer. Podíamos <strong>de</strong> novo tocar as pontas das nossas lanças e estava a<br />
levantar-se um nevoeiro.<br />
— Os Dumnonianos, é claro, teimam em dizer que o seu queijo é o<br />
melhor <strong>de</strong> toda a Bretanha — dizia Merlim num tom convicto, como se<br />
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