Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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para Guinevere e vendo-a pálida, quase trémula, dirigiu-se imediatamente<br />
para ela:<br />
— Estás doente?<br />
— Não, não — disse ela, enlaçando-o e <strong>de</strong>scansando a sua cabeça no<br />
peito ensanguentado do marido. Estava a chorar. Era a primeira vez que eu<br />
a via chorar.<br />
Artur fez-lhe uma festa nas costas.<br />
— Não houve qualquer perigo, meu amor — disse ele, — nenhum<br />
perigo. Só transformei a matança num picado <strong>de</strong> carne.<br />
— Estás ferido? — perguntou Guinevere, afastando-se <strong>de</strong>le e limpando<br />
as lágrimas.<br />
— São só arranhões. — O rosto e as mãos estavam dilaceradas pelos<br />
espinhos, mas não havia outras mazelas, à exceção da nódoa negra provocada<br />
pelo <strong>de</strong>nte do javali. Afastou-se <strong>de</strong>la, pegou na lança e gritou: — Há<br />
uma dúzia <strong>de</strong> anos que ninguém me atirava ao chão daquela maneira!<br />
O rei Cuneglas chegou a correr, preocupado com os seus convidados,<br />
e os batedores <strong>de</strong> caça apareceram logo em seguida para levar dali o corpo.<br />
Todos eles <strong>de</strong>vem ter-se apercebido da discrepância entre as roupas imaculadas<br />
<strong>de</strong> Lancelote e o estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>salinho em que nós nos encontrávamos,<br />
mas ninguém fez qualquer comentário. Estávamos todos excitados, satisfeitos<br />
por termos sobrevivido e ansiosos por partilhar a história em que<br />
Artur afastara a fera bruta do seu corpo, segurando-a pelos <strong>de</strong>ntes. A história<br />
espalhou-se e as gargalhadas dos homens soaram alto entre as árvores.<br />
Lancelote era o único que não se ria.<br />
— Agora temos <strong>de</strong> encontrar um javali para si, meu Rei e Senhor —<br />
disse-lhe eu. Estávamos a poucos passos <strong>de</strong> distância da multidão excitada<br />
que se juntara para ver os batedores <strong>de</strong> caça tirar as vísceras ao javali e arranjar<br />
assim uma boa refeição para os cães <strong>de</strong> Guinevere.<br />
Lancelote mirou-me <strong>de</strong> soslaio com olhos avaliadores. Detestava-me<br />
tanto quanto eu o <strong>de</strong>testava a ele, mas inesperadamente sorriu.<br />
— Um javali — disse — seria melhor do que uma porca, julgo eu.<br />
— Uma porca? — perguntei, pressentindo um insulto.<br />
— A porca não vos atacou? — perguntou ele e <strong>de</strong>pois abriu muito<br />
os olhos francos. — Certamente não pensais que eu estava a referir-me ao<br />
vosso casamento! — Presenteou-me com uma vénia irónica. — Não posso<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> vos felicitar, Lor<strong>de</strong> Derfel! Pelo casamento com Gwenhwyvach!<br />
Contive a raiva com todas as minhas forças e fi z um esforço para fi tar<br />
o seu rosto zombeteiro com a sua barba <strong>de</strong>licada, olhos escuros e longos<br />
cabelos oleados tão escuros e brilhantes como asas <strong>de</strong> corvo.<br />
— E eu <strong>de</strong>vo felicitar-vos, meu Rei e Senhor, pelo vosso noivado.<br />
— Com Seren — disse ele, — a estrela <strong>de</strong> Powys.<br />
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